Comprei uma enciclopédia de muitos volumes.
São tantos tomos, tantas folhas,
Meus olhos se cansam de espiar.
Têm figuras, muitas palavras,
Algumas páginas para separar.
No primeiro tomo, uma propaganda bem legal
que deixa meus dentes mais brancos
do que um palmito original.
Neste compêndio, de preço módico
não há nada que indique desperdício,
Ensina até a perder o vício
de roer as unhas.
Largar o cigarro, se livrar do pigarro,
Tirar um sarro dos vizinhos.
Abastecer o carrinho sem gastar muito,
Lavar roupa sem fazer espuma.
Entre a página cento e oitenta e a próxima
fincaram uma pluma de pavão,
Coisa azul, bonita
que faz a gente espirrar bastante
quando esfregada no nariz.
Seguindo em frente
explana sobre uma guerra que aconteceu
e ninguém morreu.
Na primeira contracapa
conheci a nata da sociedade carioca,
E nunca fui ao Rio...
Está impresso na mil e dois
Que um tal Jesus fez um sermão famoso
Que ninguém mais lembra como é.
Fala de um José que era pai sem ser
E uma Maria que pariu sem par.
E a louca anda à solta,
Diz a página oitenta e dois.
Depois, a propaganda do fusca
ofusca tudo o mais.
Sou capaz até de acreditar
Que sonhar só é bom
No travesseiro Sonobom.
Folheando, chego ao tomo da tristeza,
Onde as crianças muito magras
Estão sentadas na calçada
sem um pedaço de pão nas mãos.
Meu coração tão desolado
Deveria ter economizado esse quinhão.
Mas de credo eu entendo
e não me arrependo
de ter aprendido a rezar.
Rogo pelas almas machucadas
que estão estampadas na cinquenta e um.
Talvez eu seja apenas
Mais um colecionador
que se diverte com a verve ilusória,
Mas minha visão transitória
também se limita a enxergar.
Não uso as bifocais
que fazem mais do que clarear
os caminhos da escuridão.
Minhas mãos se divertem
e submergem no capítulo
das histórias triviais
onde ninguém é mais,
Ou menos...
Apenas o terno Trajano, se não me engano,
Veste mais que o calor do abraço.
Eu e meus braços
que querem tudo o que não têm.
O interessante é que quando fechei
o último volume da enciclopédia:
_ Já era dia.