Permitam-me uma imensa insanidade
Permitam uma imensa insanidade e
Uma louca ousadia jamais cometida por um sábio
Vou dialogar com Alberto Caeiro por causa da
Poesia “Nunca guardei rebanhos”
Caeiro, nunca guardei rebanhos
E não é como se guardasse,
Recusei a guardá-los porque sempre tive medo de gado,
Das suas pontas chifrudas
E porque sempre me senti incapaz de guiá-los
E tirar leite e cuidar de suas feridas e saúde
Como faz muito bem meu sobrinho
De igual forma nunca aprendi a boiar
Como meu tio, meu pai e os vaqueiros de meu avô
Lindamente ressoavam seus cantarolar no horizonte
E ouvia-se os mugidos de respostas do gado
Porque Oh! Bichinhos que gostam de música!
Não quis ser pastor, Alberto,
Até gosto do vento na face
Porém não gosto do sol escaldante
Das estações não gosto do inverno,
Só gosto da primavera, do outono e do verão
Não gosto de campo vasto e quase sem ninguém
Só da impaz da cidade barulhenta e alucinada
No entanto, amo o pôr do sol e este na cidade,
No campo e nas águas como no Farol da Barra
Amo borboletas na janela, no entanto, não gosto
Quando põem ovos perto das minhas plantas
Pois sei que suas lagartas vão comer a folhas
Não gosto da minha tristeza, ela não é sossego
Ela me desassossega como bem disse seu pai
Não quero minha tristeza nem na alma nem no corpo
E gosto de colher flores porque estou alegre ou para ficar feliz
Pois sim, Caeiro, os ruídos dos chocalhos me provocam
Boas sensações e lembranças e me deixam enternecido
Porque apesar de ter medo de gado, os vejo como seres tão amorosos
Gosto de pensamentos alegres e contentes e prefiro eles aos pensamentos tristes
Pensar nem sempre incomoda, mas você está certo,
Andar na chuva não é bom, principalmente nas tempestades de São Paulo,
E claro, quando a gente anda rápido e a chuva cai mais forte
Então, amigo, tive ambições e desejos não realizados, pena,
E me esforcei muito para realizá-los,
Deixemos isso para o passado,
Pois, não é, Alberto, que ser poeta não foi também minha ambição!
No entanto, não foi minha maneira de estar sozinho, como ocorreu com você
É agora minha forma de me comunicar com outras pessoas
Dizer para elas o que sinto e penso
Meu amigo, Caeiro, não desejo jamais ser cordeirinho
Acho que em vários momentos eu fui bem manso
Porém, não deu certo, me imolaram demais,
(Entretanto, ser o rebanho todo para estar em muitos lugares
E se isso trouxer felicidade nos instantes todos), que maravilha seria isso.
Escrevo muito mais pela manhãzinha, Alberto,
E às vezes quando nasce o sol e nem vejo nuvens por estar num apartamento
E escrevo já no início do burburinho do centro da metrópole
Também me sento a escrever versos no meu pensamento
Nos caminhos e atalhos da Vila Buarque e Santa Cecília
Porém, se não volto à casa logo e abro o arquivo no computador
Corro o risco de me esquecer dos versos escritos no pensar
E não é que, ao invés de um cajado, tive uma bengala de metal!
Não servia para atalhar gado nem ovelhas,
Era para sustentar meu corpo combalido e fraco mesmo
Olha, amigo, não subia outeiro, andar era dolorido
Não via rebanhos, eles estão longe no semiárido da Bahia
E só via mesmo minhas ideias e talvez lembrava do gado
E veja, querido, se posso lhe chamar assim,
Muitas vezes não compreendo o que digo,
Por vezes finjo que compreendo e por vezes mostro que não sei mesmo
De igual forma saúdo agradecido aos que me lerem
E sabe que ultimamente, às vezes uso chapéu,
Tiro também o chapéu para meus leitores, Caeiro,
E acho que poucos me veem à minha porta
Moro longe de muitos deles, como seu pai, o senhor Fernando, morava
Também desejo a meus leitores o sol com alegria
E a chuva quando for preciso também,
Muitos leitores meus habitam em região de seca no nordeste
E às vezes tem seca no sudeste, sul, pantanal e Amazônia
Da mesmo forma desejo que tenha uma cadeira predileta
E janelas abertas e que possam ler meus versos nessa cadeira.
Eu também queria ser lembrado como coisa natural
É mesmo bonito, Alberto, ser lembrado como árvore antiga
Onde crianças brincam nela e se sentam à sua sombra
Quando cansadas limpando o suor pingado com a manga da roupa
Mas olha, Caeiro, nessa árvore tem que ter frutos gostosos
E passarinhos que cantam bonitinhos e fazem ninhos para continuarem vivendo
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 02 de outubro de 2023