Sob o céu

Sob o céu escuro

O denso céu de chumbo

Abrem-se as vidas

Abrem-se as mãos

Laboriosas e cansadas

As mãos da lavoura

Que desesperadamente agarram

Uma única chance de viver

A casa, a senzala

Abrigos da memória

Uma memória torturante

Pesada feito os grilhões

Atroz como a mais vil punição

Uma mãe, uma ama

Um senhor, um escravo

Figuras tão opostas em sua plenitude

Sobre o mar, arrebentam-se as ondas

Bravias, carregadas de esperança

Emanando o suave cheiro de maresia

Em meio ao salgado gosto da água

O amargo sabor do sangue

Aquilo seria loucura? Alucinação?

Ou simplesmente a dor, a desesperança?

Ninguém sabia exatamente

Infiltrando-se nas paredes

Infiltrando-se por entre as feridas

A verdade incorruptível

Tão antiga e perversa

Se esconde debaixo dos corpos

Incrustados de balas

Doloridos pelo cansaço

De viver, de lutar por um novo amanhã

Morta, viva

A alma que rasteja

O ser que devora o âmago

O âmago da nação

E abaixo do mesmo céu

Coberto por tempestuosas nuvens

Ainda ronda um povo disperso, bobo

Á espera de algum socorro