Reflexo do mundo.

Eu nunca me amei! Nunca tive um espelho em casa. Talvez por isso, não tenha conseguido conceber minha própria imagem. Desde pequeno, aqueles que viviam comigo, ao me verem, enxergavam apenas uma ferramenta, um instrumento cuja utilidade se resumia à realização de tarefas. Passei a odiar ferramentas e, consequentemente, a me odiar também. Por isso, nunca fiz questão de ter espelhos e até os evitava. Tinha medo de me encontrar nas esquinas, refletido na janela de alguma casa. Quando isso acontecia, eu olhava para baixo.

Eu não tinha direito a ter um "eu"; na verdade, nunca soube o que é isso. Quanto mais discursos de autoamor eu ouvia, menos acreditava que alguém pudesse se amar. Como? Amar o quê? Qual imagem eu deveria reverenciar, se tudo o que sou são os outros? Sempre foi assim... Sou quem ama futebol? Não! Eu assisto só futebol porque a antena da televisão capta apenas um canal de esportes e mais nada! Sou aquele que ama arroz e feijão? Não! Eu comi arroz e feijão a minha vida inteira porque é mais barato e nunca tive dinheiro para experimentar outra coisa. Amo fazer tudo o que mandam? Não! Mas e daí? Eu preciso, não tem outro jeito.

Vou continuar comendo arroz e feijão enquanto ouço sermões do meu chefe e torço para o time da série C, que nunca sai da zona de rebaixamento. Na verdade, o futebol me conforta. Por mais que eu não tenha escolhido amá-lo e não o ame, é uma das coisas que me faz esquecer que não passo de um reflexo desse mundo.