Paranapiacaba

 

O trem chega em silêncio cúmplice.

Sabe que já cumpriu seu papel de menestrel idílico;

condutor do par de mãos trêmulas e úmidas

de suor antecipado.  Da quentura suave de falanges convidativas, que guiam não apenas o duplo em sentimento, mas ainda se apiedam do temor que anuncia a finitude.

Do dia, da promessa, a certeza de que o trilhar de horas e milhas se tornará uma pintura da memória. 

A bruma do fatídico véu de noiva, densa em antecipação e encoberta, amalgama fumaça de cigarros,

sublimação da respiração em bocas que se tocam.

Corações se enlaçam.

Mentes sagazes pedem escusas à razão.  Não há espaço

reservado ao real. Já não há mais tempo de perder a hora.

A neblina que profetiza o anoitecer

na necrópole é a mesma que acalenta a autoilusão.

Casas nas quais morei e morarei em mente, fantasia 

e projeção; quando sequer conhecia o povoado.

Errado.

Ele já existia. Era autômato, friamente indiferente ao 

visitante. Casei na igreja, atirei-me resoluto da ponte

em malfadada repetição. 

A mão não mais se encontra entrelaçada. 

A mulher nunca existiu; o vulto assomou.

Não mais. 

Resta o povoado.

Não o duplo em sentimento. 

O duplo. 

O doppelgänger.

Ainda há tempo de pegar o trem?

O trem partiu, há muito, muito tempo. 

Ela se foi. Resta o duplo.

O aguardar ansioso e eterno do próximo trem,

É tempo de regressar. Novamente, à abóbada do cemitério.