A PORTA QUE DAVA PARA A RUA

A porta que dava para a rua

em que ficava a casa da minha avó

era pintada de um verde desmaiado

desbotada pelos arranhões dos dias

e pelo sol que nascia depois das madrugadas

Do lado de lá da porta

um Ato Institucional era editado

o cruzeiro novo acabou de ser lançado

outro álbum dos Beatles havia chegado

2001 Uma Odisseia no Espaço tinha estreado

Richard Nixon foi eleito e empossado

Neil Armstrong pisou na Lua

Sharon Tate foi assassinada

e o Brasil conquistou o tricampeonato

Do lado de cá da porta

o piso era de taco de madeira

nenhum gibi estava extraviado

o chuveiro era acima de uma banheira

na televisão se assistia Os Flintstones

Os Jetsons, Manda Chuva e Popeye

na vitrola se ouvia Wilson Simonal

na sobremesa se comia Pudim Royal

ainda se comemorava meus aniversários

e os que iam sumir não tinham me deixado

A porta que dava para a rua

em que ficava a casa da minha avó

separava o mundo em dois lados

um que dava para o transitório e o mutável

e no outro se respirava ares de perenidade

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 22/06/2024
Reeditado em 22/06/2024
Código do texto: T8091485
Classificação de conteúdo: seguro