A PORTA QUE DAVA PARA A RUA
A porta que dava para a rua
em que ficava a casa da minha avó
era pintada de um verde desmaiado
desbotada pelos arranhões dos dias
e pelo sol que nascia depois das madrugadas
Do lado de lá da porta
um Ato Institucional era editado
o cruzeiro novo acabou de ser lançado
outro álbum dos Beatles havia chegado
2001 Uma Odisseia no Espaço tinha estreado
Richard Nixon foi eleito e empossado
Neil Armstrong pisou na Lua
Sharon Tate foi assassinada
e o Brasil conquistou o tricampeonato
Do lado de cá da porta
o piso era de taco de madeira
nenhum gibi estava extraviado
o chuveiro era acima de uma banheira
na televisão se assistia Os Flintstones
Os Jetsons, Manda Chuva e Popeye
na vitrola se ouvia Wilson Simonal
na sobremesa se comia Pudim Royal
ainda se comemorava meus aniversários
e os que iam sumir não tinham me deixado
A porta que dava para a rua
em que ficava a casa da minha avó
separava o mundo em dois lados
um que dava para o transitório e o mutável
e no outro se respirava ares de perenidade