DAS PAIXÕES ACÉFALAS

Algumas paixões são arteiras, meticulosas nas beiradas,

ardilosas sem rédeas, sem festim, sem colo.

São paixões robustas, escancaradas, encardidas,

encarnando seu galope num samba tosco,

fazendo da vida o mais delicioso quindim.

Essas paixões sorrateiras, nada mirradas,

de cheiro farto, de olhar temporal,

vão se esgueirando num bocejo tal

que acabam desmamando os anjos do céu,

Nelas fluem asa sinfônicas, atônitas,

onde recolho meus ossos, minha fé, meus rasgos,

me refugo insolente, sem perdão, nem troco.

Já vivi paixões assim no deserto,

nas sombras dos meus baús,

na lousa indigesta de algum pesar qualquer.

Já me untei em paixões que se diziam vorazes,

já me salpiquei de outras que surrupiavam meus porões.

Delas, confesso, pouco ressequei seus gozos,

pouco lembro dos seus passos, sombras e rebarbas.

Delas, lamento, quase nada espirrei de mim,

pois foram paixões acéfalas, roucas, mal ajambradas,

apenas vãos desengonçados sem feitor algum.

Foram paixões cosméticas, piões girando a esmo,

sem toca pra bulir seus encantos,

sem rédea pra chicotear meu sangue.

Hoje, já farto delas, me flagro nu sem palco pra brilhar,

ou morrer, vai saber, vai querer.

E naquelas paixões-ratazanas me guardo a sete chaves,

com medo de respingar pro mundo em parcos tombos,

só me resta rir delas até o mar secar de vez.

São naquelas paixões-meninas, paixões-ciganas, paixões-arpões,

que tanto aterraram minhas vidas cruas,

tão cruas que nunca mais as reverterei como deveria,

como aquela alegoria liberta que um dia batizei de amor.

 

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 19/06/2024
Código do texto: T8089395
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