MÍNIMO MOVIMENTO.
O cheiro dos seios da outra - a da esquerda - não era de leite,
Mas de algo entre azeite e açúcar,
Derramado sobre pele suada, quente do sol, insone na madrugada.
Imponente como um mandacaru, orgulhosa dos espinhos, sabia lidar tanto com homens mesquinhos quanto com homenzinhos apenas, cheios de dores e penas.
Ou como eu, nenhum, nem outro, filósofo do esgoto, aprendiz de infeliz, jogado às traças do esquecimento simplesmente por ter faltado à aula que ensinava quem podia e quem mandava.
Agora milho de pombo, migalha de mesa deposta, ando pelas ruas como um vampiro diurno, taciturno, recitando à meia meia voz poetas profanos e salmos de Davi.
Enquanto o cheiro dos seios da outra - a da esquerda - em sua atividade vespertina, inebria outras narinas, no exercício da função que lhe permite sair de um frasco ordinário e se misturar ao ar
E a saudade do beijo daquela - a antiga -
Tão maternal e amiga, que sempre me deixava o retrogosto da culpa, me fazendo procurar o juízo com lupa no imaculado lençol da juventude.
E a lembrança eloquente, quase estridente, da criança que fui, às vezes doente, mas sadia o bastante para saber que a cada muro pulado haveria um prego enferrujado para me furar os pés
Mas furou-me os olhos o reflexo do que eu não via enquanto corria, na pressa de alcançar não sei o que, mas que corria mais do que eu como se não quisesse ser alcançado.
Enquanto o cheiro do seio da outra - a da esquerda - não chega, me acalmo com cheiro de vinho doce, música de fita e a dança esquisita que me é oferecida por uma donzela antediluviana.
Mas mais antiga é a vida, não a minha, mas a vida como um tecido tenso, esticado, amarrado pelas pontas e, penso, prestes a romper-se ao mínimo toque, ao mínimo movimento.