guarde teu retrato

não ouses entregar teu Norte

ao sapateiro mais próximo.

Limpa tua morada, encera o chão

e ao abrir tua janela, verás:

ainda que teu ventre refute,

nenhuma sinfonia cessou,

e o sol, em sua obstinada claridade,

cumpre-se.

As árvores, sentinelas da luz,

continuam a filtrar sua essência,

e sob a copa, revela-se a mais sublime

das composições de luz e sombra.

Ali, teu descanso se aninha,

e mais além, o descampado

que se funde à montanha a leste,

infiltra-se no céu - este,

num abraço de amante,

acolhe-a.

Habita teu corpo;

é nele que a névoa da solidão

se adensa,

e também é nele que,

após a chuva de verão,

uma atmosfera mais luminosa

e preciosa delineia

tudo o que toca.

Não te demores no retrato

de tua juventude,

quando teu sorriso ecoava

com a casa materna

e os sonhos vivos e possíveis.

Guarda-o, porém,

na gaveta mais próxima,

para que possas

lembrar-te das manhãs

em que a natureza nos comovia,

sem que percebêssemos

toda a sua beleza -

o céu aberto e puro,

e as noites estreladas

que preparavam

nossas almas

para fazer delas

nossos altares temporários,

ainda que outras noites

nos adornassem com novas pérolas.