Defunto ambulante
Álvaro,
por você estou agudamente alarmado.
Você acorda — acorda?
Dos vermes renasce,
escova os dentes
e come, vendo um bom desenho.
Depois se encova sob o celular,
que é sua maratona de comédias boas e ruins,
até trombetear a vez em que
seu cachorro vem chamá-lo
para passear.
Você, com o celular em mãos, confere as horas,
nota que está passando das doze,
da sepultura digital se desencova,
põe a coleira calma no cachorro inquieto
e com ele sai.
No retorno,
ao cachorro, da coleira libera.
Você toma banho,
come, com os olhos esquecidos na televisão,
visto que não dá para notícias e reportagens
a menor importância.
Depois volta para o celular
— ao caixão, o finado!
E permanece sepultado,
até vir seu cachorro ressuscitá-lo.
Novamente é hora de passear!
No regresso,
você toma banho,
faz um lanche, vendo seu desenho favorito,
conectado ao café da noite,
conectado a mais uma maratona digital,
conectado ao sono.
Você, na cama, não vai dormir;
vai terminar de morrer.
Boa morte!
Amanhã Deus irá revivê-lo.
Álvaro,
você não estuda
uma ciência
ou uma arte;
nem lê
um livro
ou um poema,
ou uma notícia,
ou um artigo de opinião;
nem escreve
uma poesia
ou uma prosa;
nem escuta
um louvor
ou uma conversa;
nem louva.
Álvaro,
quando sai com seu cachorro,
você trilha as veredas da obrigação,
e não do lazer e prazer.
Em outras palavras: você não passeia.
Álvaro,
você é uma vida morta.
Saia da cova!