Na soleira da porta
Conectados ao dispositivo principal
meus ouvidos vão recebendo os sons
como se fora um milagre...
desde o início sempre o senti assim
desde o tosco momento em que a música
vinha de um transmissor fora de mim
que não o meu próprio corpo...
Agora, mesmo que a todos pareça
extremamente banal...coisa do dia-a-dia
ainda me parece a oitava maravilha...
cada vez mais simplificada...e próxima de mim.
É quando os Grandes Mestres dão-me a honra
de penetrar em meu pequeno lar...
antes calado e tímido de expectativas,
agora todo vibrante de energia...
Assim, Mozart, Beethoven, Debussy...
Liszt, Chopin, Bach, Puccini...
respeitosamente tiram seu chapéu
ao passar pela soleira de minha porta,
e imagináriamente caminham até um piano
(ou um órgão também imaginário)
e ali se acomodam, com familiaridade
tocando a música, eterna e sem idade,
que transborda, acalma e ilumina...
Tão verdadeira quanto a Vida...
Espero assim, nunca me acomodar
a esses sons vindos do "nada"
que a "tudo" transformam, em poucos segundos...
e, fechando os olhos físicos
eu possa sempre penetrar nesses universos...
quando bem quiser...
E, tomando posse de um direito
inalienável ao ser humano,
que nunca me seja negado o assombro
diante do belo, do sublime...
Que a fome seja extirpada do mundo,
que a paz se estabeleça definitivamente
onde haja conflito...e vidas desperdiçadas..
E tudo de perfeito se concretize, onde nossas mãos
e vontades, não possam alcançar...
Mas, simultaneamente, e porque não?
doe-se todo alimento do espírito...
que, invisível, inaudível, paira no ar...
É só apertar um botão.