Demônio
Está para minha mente,
como o malho está para o vidro.
Como está o fogo para a floresta,
queimando e dizimando tudo
lenta e vagarosamente.
Isso que me corrói,
que me esgana, tritura e dói;
me tira o sono, a fome,
a lógica.
Um vento gelado
que circula em meu peito
que sopra baixinho no meu ouvido,
me dizendo todas as heresias
que sou capaz de proferir
e me embrulha o estômago
logo depois de dizê-las.
Não por medo,
mas por vergonha.
E eu queria gritar,
quebrar a casca de gente
que me reveste
e sair como um animal ensandecido.
Libertar,
num grito,
o monstro que se retorce
na minha garganta.
Mas não consigo expurgá-lo,
não o posso exorcizar.
Não há salmo,
não há cântico,
não há mantra,
romaria ou terço inteiro.
Nada mata a doença
que envenena os meus olhos,
a minha fala
e a minha mente.
Nada afasta a sombra
que cega meus pensamentos.
E atrapalhando meus passos,
eu caio toda semana,
mais uma vez nas teias
que me entregam a essa
presença maligna.
E eu tento expulsá-la de perto,
tento pedir ajuda e companhia
aos bons anjos,
virtudes, arcanjos e querubins.
Mas ainda não consigo exorcizá-la;
pois parece que está para mim
como o calor está para o verão,
como o sal está para o mar;
como a carne está para o osso;
faz parte de mim,
ainda que eu a deteste.
E por mais que eu tente me esconder
e me esquivar,
uma hora ela me acha.
Essa abominação!
Esse erro dos meus neurônios!
Essa falha dos meus sistemas!
Essa maldição que chamo de
demônio
E os normais chamam de
saudade...