Demônio

Está para minha mente,

como o malho está para o vidro.

Como está o fogo para a floresta,

queimando e dizimando tudo

lenta e vagarosamente.

Isso que me corrói,

que me esgana, tritura e dói;

me tira o sono, a fome,

a lógica.

Um vento gelado

que circula em meu peito

que sopra baixinho no meu ouvido,

me dizendo todas as heresias

que sou capaz de proferir

e me embrulha o estômago

logo depois de dizê-las.

Não por medo,

mas por vergonha.

E eu queria gritar,

quebrar a casca de gente

que me reveste

e sair como um animal ensandecido.

Libertar,

num grito,

o monstro que se retorce

na minha garganta.

Mas não consigo expurgá-lo,

não o posso exorcizar.

Não há salmo,

não há cântico,

não há mantra,

romaria ou terço inteiro.

Nada mata a doença

que envenena os meus olhos,

a minha fala

e a minha mente.

Nada afasta a sombra

que cega meus pensamentos.

E atrapalhando meus passos,

eu caio toda semana,

mais uma vez nas teias

que me entregam a essa

presença maligna.

E eu tento expulsá-la de perto,

tento pedir ajuda e companhia

aos bons anjos,

virtudes, arcanjos e querubins.

Mas ainda não consigo exorcizá-la;

pois parece que está para mim

como o calor está para o verão,

como o sal está para o mar;

como a carne está para o osso;

faz parte de mim,

ainda que eu a deteste.

E por mais que eu tente me esconder

e me esquivar,

uma hora ela me acha.

Essa abominação!

Esse erro dos meus neurônios!

Essa falha dos meus sistemas!

Essa maldição que chamo de

demônio

E os normais chamam de

saudade...

João V Zibetti
Enviado por João V Zibetti em 08/06/2024
Código do texto: T8081326
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