Um artefato inolvidável
No lugar mais recôndito de minha memória,
espumeja uma lembrança pitoresca,
lembrança verde
tal qual uma lagarta verde,
oculta pelas folhas de um galho.
Minha memória alude a um livro,
que, na primeira série, manuseei na escola.
Um arame branco e transparente
encadernava suas páginas.
Sua capa verde-claro
— que mais parecia uma relva impressa —
exibia, com letras arredondadas e brancas,
o título "Gramática".
Sempre que o abria,
meus olhos jocosos contemplavam
explanações, tais como:
"a palavra… se escreve com inicial maiúscula",
"… no plural fica…",
"… no feminino ganha… no final",
"… no aumentativo é…",
"o coletivo de… é…",
"o acento agudo… indicar um som aberto…"
"o circunflexo… um som fechado…",
"o til… nasal…",
"a cedilha… de S",
"o hífen separa palavras compostas",
"o ponto-final… encerrar uma declaração",
"a vírgula… indicar uma pequena pausa…",
"o travessão… introduzir um diálogo…";
em suma, aquelas páginas tipografavam
um vocabulário aprazível e degustável.
Eu, ali, aos oito anos,
já me projetava para um futuro cintilante
na sala de aula,
contudo não fantasiava a menor quimera
de um presente fabuloso e garrido.
Eu, aqui, na qualidade de docente,
tenho potencial para instruir o discente
no emprego do padrão da língua portuguesa;
na classificação de palavras, termos e períodos;
na conjugação de verbos;
e nas profusas volúpias da gramática.