paralelepípedos e outras formas de ocultar o chão
poemas guardados,
pequenos caprichos da mente,
tão humana e pulsante,
o espaço das lembranças
uma carta amarelada
e primeiras estrofes
[...] tenra infância,
entre paralelepípedos
e outras formas de ocultar o chão,
na serenidade interiorana
da cidadezinha que finda
na barranca de um rio,
eu cresci observando
horizontes vastos
com suas formas
de abraçar a cidade
e um céu gigantesco de estrelas,
que me lembram
da visão humanizada que tenho
das coisas e dos lugares,
árvores e pés de laranja
que aprenderam
a abundância do caminhar,
sementes espalhadas pelo chão
com o tempo, havia um pomar
de frutas frescas no quintal,
minha mãe me ensinou
que no quintal cabe o mundo
e as minhocas,
cabe o céu e até as galáxias
nossos pés vermelhos pelo chão,
logo aprenderam as distâncias,
medíamos tudo
desde o campinho de futebol
na rua XV de Novembro
ao caminho para a escola
vivíamos contando as distâncias,
guardei estes versos
no papel das lembranças
para acalmar a angustia dos dias
e desvendar o ocaso outra vez
no término de uma tarde
preguiçosa
certo e inevitável
é o olhar incerto
de um relógio que não entende
o que é memória,
nem compreende os minutos
molengos ao cair da tarde,
o relógio e seu tic-tac fugaz,
na tarde silenciosa,
leio poemas
e primeiras estrofes de uma infância
expressa em palavras
sem censura,
que permanece
e se consolida em mim,
os vestígios do sentir,
as primeiras impressões
no papel de uma carta-poema
hoje, o relógio apressado,
máquina de moer pensamentos,
tem a distância exata
daquele tempo
hoje, o dia escorre líquido
pela garganta febril
do horizonte.
preciso de um tempo,
um tempo para ler poemas
ou apenas as primeiras estrofes,
deixar fluir o querer no espaço,
sem me preocupar com o relógio
essa máquina de aço
que quebra, deixa em pedaço
e produz novas máquinas
a sociedade do cansaço.