as coisas que nos formam

Ouves! Pode ouvir o que os males espantam?

Árvore na memória, tua sombra inflama o desejo, plantações efêmeras

Já destiladas para o amanhã, onde, serena, a vontade

Se esforça para que seja o prado alucinante que nasce em todas as madrugadas.

Ainda que brilhante, já era passado quando

Seu corpo escandaloso me calou para a lua fervorosa que nos

Conduzia para dentro da carne, intemporal, silenciosa, extrema.

E fazia das minhas sombras o artefato onde, estilhaçado, procurava o meu nome.

Sob as sementes estocadas e as inumeráveis solidões, a dor se empurra para o alto, impulso para que o sol nasça,

Que ela mesma nasça como sol, alardeando luz na forma já elevada.

Embora desprovida do olhar que as faça pedra, saliência fixa, ainda que viva e possa morrer.

Ainda que em violência, ainda que a ferida se reprima, ainda que reste pouca,

Daquela velha face estiolada, drena, mesmo que a esperança sem imortal.

Sempre fui breve, um sulco que se inunda frequentemente das noites profundas.

Pois, não se pode defender daquilo que sua natureza é nos escapar, se fosse água, seria

Óleo, se fosse óleo, água a perder de vista a me dizer que não tem direção já inscrita,

Toda partida é cheia de novidade, e toda estrada se desarma de si depois de caminhada.

Os campos inaugurados, as vertentes aquosas e a relva estendida a forrar a angústia

Carnívora, enquanto pomares resolutos, com suas frutas pecaminosas, a nos amar:

Que a boca não saiba desse enigma, pois tua língua bebe o sangue da terra

Para saber mais do gosto das coisas insensatas, embora foi a insensatez que embriagou

Dessa falta de solidez, dessa embriaguez vitalizada, desse mel que já pressente o

Lago de pústula, a aridez úmida e escura ascende, no ventre, sepulcro jamais violado,

Onde os amados gritam uma dor que é deles, mas também das pedras, dos astros

Em delírios encarnados, imensidão compactada, nervosa, que massacra toda ingenuidade alimentada.

E cada palavra devora a carne para ser ela mesma, condutora da boa nova,

Mas, também, a coisa que nos forma.

Ariano Monteiro