semblante
Toco seu semblante mais visível, embora
não esqueça meus pés sobre a terra. Balanço os
braços como se quisesse soltar do invisível sua
agonia já entremeada desde a cidade mais antiga. Amo essa gangorra
existencial, extensa, densa, que desce e sobe, que o coração
demorou a saber de sua textura mais constante. Beijo a pele
do espaço, esse silêncio que brota as coisas, ou as coisas dão
lhe sua presença. E tantos outros pensamentos arrastam minha
mão para o futuro ou o passado, sempre a desembocar nesse
abismo do presente, cascata fulminante de nada e a nada não,
a me engolir quando engulo o tempo a trafegar na consciência,
sempre resistente a essa constelação de nomes que se esforça
a tocar os objetos sem deles saber a metade. E tudo isso transfigura
quando a sorte nos abre seu bolso, fora do tempo. Então, a luz inefável
do sagrado que pulsa na intimidade mais secreta que existe nos
ascende para uma dimensão sacra, embora nada saia do seu
lugar ou perca sua mais pulsante precariedade. O ordinário não
deixa de ser ordinário, ainda que a poesia o sustente fora do
tempo dentro dos seus próprios termos. E tudo toca a mesma
canção perdida: a pele, a boca com sua língua impaciente, os
dentes que mordem e nos ocupam de uma outra cilada menos conhecida,
e a pele, os dedos, a pensamentos que plantam uma árvore jamais esquecida,
os pés da mais amorosa a andar de sapatinho pela casa, o perfume
jamais aberto, mas que na gaveta é uma promessa para um dia mais
esperançoso. A casa limpa com seu cheiro de esforço e cuidado, e a mesa
posta, temperos verdes, os tomates cortados já tomados de sal.
Depois, o café a dizer que todos os dias as manhãs podem se
estender pela tarde, e sua voz a me dizer que eu existo e que
existo mais quando diz meu nome dentro de uma conversa qualquer.
O céu e a relva, as árvores gigantes, pássaros, tudo isso é teu e meu ou
apenas eu quando me sei tempo e os outros a me saber presente.
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A luz explode e o teu ventre nos
Lembra dos rios silenciosos que envolve
Em sua noite, na estrada amorosa que
Outrora demos as mãos na véspera daquela queda,
A vela alumiando nossas faces, os pratos refletindo
O que só depois eu soube eram seus olhos adentrando o infinito
Havia acabado aquela performance, não éramos mais os
Personagens, mas os atores a lamentar o branco que nos
Tirou o estribilho, não era pra chorar, embora os acontecimentos
Estivesse á boca apertando a goela por um pote de aventura, a longa noite não era mais a virgem deslocada, nossa imagem, a minha e a tua, boiando, suspensa, longe do redemoinho que esvaziaria nossos corpos, anos de devaneios esculpidos com
Tanto esmero, e como era deliciosa aquela noite onde a luz
Adentrava a janela e seu corpo escrevia um poema que pra sempre
Eu guardaria no bolso mais secreto, ainda que já soubesse do seu enigma. Desfeito do susto, não nos olhamos como os animais comem sua osso preferido, só uma vergonha que descamava o peixe, fechamos nossas portas e cada um dormiria outro sonho com menos estravagância