híbrido
A tarde se entranha no dia a certa hora,
quando o estômago emerge de sua hibernação,
e eu, o poeta do corpo e da alma, celebro
o dia que se recolhe amontoado, pois amanhã ainda
existe, seja na memória seja pelo cansaço que
a tarde oferece.
Os olhos das moças, abertos
e oblíquos em seus desejos que a idade promana,
como espelhos do tempo, refletem
um céu que não cai sobre a cidade nessa tarde,
mas ela recebe teu claro clamor
de um cisma tórrido que se pronuncia.
Assim como o céu pela manhã não caiu,
mas se mostrou quando a noite se transferiu
para o lado onde a sombra estava clara,
e as crianças não temiam o sabor impróprio
que o escuro traz no bojo do seu corpo.
Então, como formigueiro, os homens
em uma ordem que é a ordem dos homens,
com seus carros, seus cálculos, suas igrejas,
suas feiras, suas mulheres, suas famílias feitas conforme a receita
e aquelas que vivem nas ribanceiras.
Saboreia cada um a seu modo a vida como ela se dá,
bela, escandalosa, preguiçosa, jocosa,
fina ou insalubre, tangente ou em mergulho.
A vida, com seus diversos modos,
se junta numa só, com suas árvores altas, espinhos,
fresca, seca, molhada, de flores ou inertes,
insossa, ou assombrosa.
Com seu cosmo, como seu tudo com esse tudo que falei,
que se estende para dentro da noite,
para dentro de outra manhã, que guarda o tempo e espera
por outro tempo, e que a gente nela surfamos ou afogamos.
Que está fora e está dentro, aqui embaixo e no firmamento,
eu canto a vida, a tórrida vida,
em sua plenitude e contradição,
em sua dança eterna entre luz e sombra,
entre o ser e o não-ser.
E assim, no entrelaçar das vozes,
descobrimos que a vida é um poema sem fim,
um diálogo contínuo entre o agora e o eterno,
entre o homem e o universo,
entre o silêncio e a palavra.