mais amorosa
Nesta hora, a rua sob o crepúsculo já realizado,
Subverte o tempo, embora nada disso seja
A essência, que, destilada do medo, revela seu rosto —
Outra face, não face, mas queda revisitada.
Distinta e extensamente, sou a água que desce
Incansável para outra fenda, janela imprópria
Na pele da montanha, alforje aliviado, e seus passos
Já engomados para um presente para sempre
Inscrito em meu coração, lonjura que nunca
Se contempla, somente sua silhueta a adornar
Cada momento de espera, e tu já dizes, essa estrada
É feroz, bicho escarlate a gritar por uma fruta, ainda
Que verde à espera do sol, porta sempre aberta
E nos mostrar as formas mais secretas, inclusive
Essas que formam teu corpo, exata como os pássaros
E subir para o céu, ou vapor que regenera a florada
Da estação mais clara, e tu deitas, olhas para o céu,
É teu, segue o teu trilho até onde será apenas uma
Flor que se afunda na terra ou a cinza depois de
Uma queimada, chuva escura nunca
Menos que, servo do fogo, tombam os pensamentos
Envelhecidos e nos prepara para saber das novas folhas
Onde a memória possa descansar e digerir a si mesmo
Em um grande espelho que reflete outra esfera da vida,
Convexa, extrema, alta, montanhas revestidas da vontade
Mais sólida e tuas asas partem para o desejo mais amplo
De corpos recuperados pela chuva estival e pela esperança
Que o céu, dela nos lembra ao contemplar como uma
Pedra transfigura-se em um assalto ao sagrado, tempo
Virgem, imemorial, acumula em si mesmo, e grita onde
A carne voluptuosa já fez seu grito, a língua, os lábios
Encarnados e sorver a dor das coisas e a nos dizer
Silabicamente como é belo uma mulher a esperar por
Um homem, ou o homem a esperar pela mulher que lhe
Inscreve o secreto mais amoroso.
------------------------------------------------------------------
Ouves! Não pode ouvir o que os males espantam
Árvore inscrita na memória enquanto em tua sombra
A silhueta de tua morada nos inflama o desejo, plantações efêmeras
Já destiladas de seu cadafalso, para o amanhã, onde, serena, a vontade
Se esforça para que seja o prado alucinante que nasce em todas as madrugadas,
Ainda que brilhante, não era o presente, já era passado quando
Seu andar escandaloso me calou para a lua de sangue e azeite que nos
Conduzia para dentro da carne, intemporal, externamente, silenciosa
E fazia das minhas sombras o artefato onde, estilhaçado, procurava o meu nome.
Sob as sementes estocadas a dor se empurra para o alto, impulso para que o sol nasça
Ainda que em violência, ainda que a ferida se reprima, ainda que reste pouca,
Daquela velha face estiolada drena profundamente da sua esperança.
Sempre fui breve, uma ilhota que se inunda frequentemente das águas profundas,
Não se pode defender daquilo que sua natureza é nos escapar, se fosse água, seria
Óleo, se fosse óleo, água a perder de vista a me dizer que não tem direção já inscrita,
Toda partida é cheia de novidade, e toda estrada se desarma de si depois de caminhada,
Os campos inaugurados, as vertentes aquosas e a relva estendida a forrar a angústia mais
Carnívora enquanto pomares resolutos, com suas frutas de pecado a nos amar:
Que a boca não saiba desse enigma, pois tua língua bebe o sangue da terra
Para saber mais do gosto das coisas insensatas, embora foi a insensatez que embriagou
Dessa falta de solidez, desse mel cujo gosto já pressente o
Lago de pústula, a aridez escura ascenderá no sepulcro do ventre,
Onde os amados gritam uma dor que é deles, mas também das pedras, dos astros
em delírios encarnados na imensidão que engana e massacra toda ingenuidade alimentada,
E cada palavra devora a carne para ser ela mesma, condutora da boa nova,
mas, também, a coisa que nos forma.
Andrade de Campos