esqueço-me

Escrevo teu nome, cinco letras que condensam uma vida, e lembro

não só de teu rosto, mas de uma miríade caótica de possibilidades.

Algumas, sorvi na hora mais imperiosa. Ah, aquela boca,

degustada naquele agosto, me levou ao desfalecimento.

E tua voz ressoa em cada coisa, como uma semente

que se inscreve numa cadeira, ou nos braços graciosos

da moça linda à beira da praia.

Nesta noite, o vinho que bebo carrega mãos de homens

e mulheres, artífices da uva sob um sereno evanescente.

Ah, os seios, frutos maduros e cálidos, beijei-os, e por eles,

rompi as amarras da única âncora possível.

Do corte, jorrou sangue, vermelho como o vinho

que desperta em minha boca o desejo por outra terra.

Uma eloquência turva, nunca plenamente realizada,

mas apenas sugerida, desenha na areia da praia

a eternidade da brevidade.

Ao despertar, me vi numa marcha involuntária

a recontar as histórias dos homens.

Somos reféns desse sangue que esguicha, e na memória,

uma vida se decompõe em imagens, algumas frugais,

outras, de uma atmosfera cavernosa.

Silenciosamente, extensamente, grito, e do grito, o eco evanescente

de uma vida em frangalhos.

Na lembrança, contento-me com tua ausência, com o tambor solitário

que anuncia, para sempre, tua perdição em mim.

Oh, alma desalmada, a ingenuidade inconformada, aceita o que vês.

Poeta, narra de longe, tão longe que a morte, do alto de seu infinito,

me contempla. Não a desdenho, ainda que o medo dela queime meu coração.

Amo, sabendo que o amor não é apenas um ofício,

mas a forma mais embaraçosa de quebrar pedras, de mergulhar em águas profundas.

Não hesito em dizer: ainda existo, sou esse nascimento

que, mesmo na morte, permanecerá incompleto.

Por um instante, me esqueço e sou feliz.

Por um instante, sou ela, mulher saciada pelos mistérios, amando-os.

Por um instante, esqueço de mim e sou feliz.