FEITIÇO
Nessa coceira, e aflições na alma em alvoroço?
No passo começado antes do movimento revelador?
Na boca seca, onde palavras frustradas
procuram outros caminhos?
No olhar lançado ao redor,
passeando ausências sobre o mundo,
em negros brilhos febris?
No alisar automático, em gestos varridos,
do papel com as costas da mão,
como que expandindo espaços a preencher
até aos horizontes mais longínquos
da vontade profunda
com os caracteres agressivos,
ferventes, dessas veias túrgidas,
onde se decompõem em esperas?
Na impaciência dos gestos contidos,
onde range a lentidão dos outros,
num eternizado e sofrido compasso
duma dança disfarçada de quotidiano?
Ou nestes gestos, tantas vezes repetidos
em minúcias e floreios,
nos volteios de um sabre esgrimido com maestria,
mas desesperado de qualquer ventre,
e desiludido de qualquer feito ?
Nessa bolha de silêncio, de que me rodeio
até encontrar o norte, o ritmo, um esteio
onde me encoste e amarre com liames doces,
feitos de palavras singelas e francas,
antes que sumam, e os esqueça,
os passos da minha vida tão espalhada,
e tão inverosímil ?
Sim, em tudo isso me encontro, me reconheço,
e me repito levemente ao lado,
numa espiral de subida lenta e constante,
um parafuso sem fim enroscando-se,
imparável, sem aperto nem esmagamento,
neste ano que começa como um feitiço
que se repete...
Que venha...Que venha !
Jan / 2008