Por um ano
Por um ano, um pouco mais, um pouco menos
Convivi com um vizinho cantor
Diferente do outro vizinho gente
O outro vizinho gente ensinava canto
Tocava piano e quando treinava a voz
Tremia meus copos de vidros
Não meus cristais pois nunca os tive
Meu copos, inclusive os de geleia mesmo
Tenho testemunha desse fato
Meu vizinho passarinho
Morava numa árvore próxima à janela de meu quarto
E cantava seu cantinho forte, estridente e belo
Das quatro horas à cinco horas da manhã
Todos os dias e me acordava esse horário
Só me deixava dormir quando encerrava sua cantoria
Conversava com ele
Sabe, por telepatia
Pensamento com pensamento
Ele me dizia não poder fazer
Nada quanto ao canto, o horário e meu sono interrompido
Só queria saber se os outros de sua tribo
Estavam bem, se todos respondiam, se dormiram direito
Ouvir o canto de cada um para saber se algum não tinha ido
Cantar no céu dos passarinhos pois nesse caso precisavam
Cantar para honrar sua memória e rezar para estar em bom lugar
Ademais, ele também queria impressionar sua ou suas fêmeas
Ora essa, então, eu não saberia o que era o amor misturado com
A necessidade de perpetuar sua espécie, ramificar seus genes
Se não sabia sobre isso me explicou mais simplesmente
Precisar ter filhinhos para cuidar, alimentar, criar, ensinar a
Cantar, bater as asas e voar, cuidar de suas vidas como seus pais fizeram com ele
E essa boniteza toda começa, no caso deles, com uma bela canção
E nem só as fêmeas e suas espécies ouvem, porém todos os ouvintes
Até o universo, os anjos, os seres espirituais, os fantasmas, os santos e Deus
Estaria ouvindo uma canção ensinada pela mãe natureza para ele
Um canto dado pela vida
Eu que embalasse o início do meu dia com sua farra musical
Tá bom, passarinho, entendi seus argumentos
Não havia o que fazer senão ouvir seu canto acordativo e belo
Depois de pelo tempo de um ano
Silenciou o passarinho
Foi pego por um predador?
Ficou ruim a localização para o canto?
Tomara foi fazer seu ninho com algum amor
Em outro lugar melhor para ele
Não me avisou iria embora
Não se despediu
Não cantou uma última vez me avisando que seria
Me deixou dormir mais naquele horário da cantoria
Talvez tenha sido por isso que meu sono anterior
Não continuou tão bom quanto antes
Vejam só, dormia gostoso por demais
Porque sabia que iria ser acordado pelo canto do meu amigo
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 05 de setembro de 2023