A FOME

A FOME

Negra!

Negra é a fome,

A miséria que mata

Que aniquila

Que desespera

Que inanima

Que debilita

Negra é a fome

Negra,

Negra

Cruel

Que mata

Corroendo

Ressequindo.

Negra é a fome,

Que não perdoa

Pobres orfãos

Pequeninos

Abandonados,

Corpos ao léu,

De bocas abertas

Pedindo ao céu!...

Clamando!

Mas tu não perdoas

Não te condóis.

Os pobrezinhos

Trêmulos,

Mal alimentados

Caminham, quase arrastados.

Quase impelidos

Por força invisível

Tu os persegues

Os atacas,

De pedra deve ser teu coração

Que não te condóis,

Não tens compaixão

De um pequenino,

De um infeliz,

Desventurado,

Que veio ao mundo

Amargurado,

Para pagar,

Para ressarcir

O seu pecado

Que em outras era

Praticou.

Mas tão pequenino,

Ainda,

Como podes tu, não perdoar!

Mas tu és pedra,

Pedra,

Pedra,

Pedra,

Negra,

Negra,

Sem coração.

Que não perdoas

Ante as bocas famintas

Escancaradas,

Tu não perdoas,

Não perdoas.

Assim vais matando,

Sacrificando,

Em holocausto.

Matas a vida da vida,

Tiras a seiva vital,

Desses pequeninos,

Miseráveis...

Deixas morrer à míngua

Sem dó,

Sem piedade,

Tantos corpos sadios,

Com que tens saciado tua gula,

Tua gula hiulca,

Sagaz!

Como podes tu, oh! fome!

Continuar impune?

Monstro,

Monstro negro!

Monstro sem coração.

De hoje em diante,

Regenera-te,

Tem compaixão

Se dás ao rico,

Não deixes faltar ao pobre o mesmo pão.

Regenera-te,

Regenera-te,

Serás um monstro de coração.

São Paulo 08/04/1964

Armando A. C. Garcia

E-mail: armandoacgarcia@ibest.com.br

Armando Augusto Coelho Garcia
Enviado por Armando Augusto Coelho Garcia em 03/12/2005
Reeditado em 08/12/2005
Código do texto: T80583