Querida criança.
O jornal começa cedo
Eis a notícia: morre, ainda jovem, a minha poesia
A causa: transformou-se em adulta
Logo o universo ficou cinza, emaranhado de reflexos turvos.
Precisou arranjar emprego, só pagavam um salário mínimo
O que fazer?
Sem mãe, nem pai, nem esosa
Mundo louco e correrias
Entrega de trabalhos com prazos curtos.
O corpo começa a feder, mas a água foi cortada
Então ela se deita de corpo para baixo
E o estômago ronca.
Flores abrem após a tempestade de chuva gelada
Eram elas, as memórias
A única coisa que resta quando torna-se adulto
Vultos de garotas e beijos molhados
Frames de bicicletas com rapazes amontoados.
Eram elas, as memórias, que enxugava as lágrimas da poesia antes da existência ir para o fundo do mar.
A quem pedir ajuda?
Ó Deus, tu que me destes a vida, por que me recusas agora o milagre?
Não finge que não me escuta
Poi os tolos, as adúlteras e os ladrões são bem recompensados, estes sendo tão filhos da puta!
"Não quero pagar agora", diz a vizinha que escutou todo o processo .
Meus versos ficarão aonde?
Para quem darei minha herança?
Que não é dinheiro, nem casa, nem terreno
Mas sim um latente amor que permearia pelos corações humildes e revoltados.
Não grandes lotes de ouro
Mas sim a simplicidade de encarar a vida
A felicidade cultivada após horas encarado as marés e os vendavais.
Ó, jovens, não desistam agora
Há dentro de vocês uma forte vontade de potência
Inserir-se no mundo
Inserir-se nas coisas
Nas plantas e nas bolhas que construímos.
Não há limite para a felicidade
Eu cesso por covardia, e vocês?
- Aqui resta as últimas palavras da poesia
Quem ficará com a herança? - Pergunta confuso o jornalista
Tão habituado a ver brigas por terras
E agora, fecham-se as televisões após ser divulgado como patrimônio um enorme aquário contendo versos e mais versos de amor.