crueza

Sob o dossel da árvore, vigilante ao sol que tudo purifica,

Repouso na luz e nas sombras que o chão desenha, folhas em espelho

Da alegria solar. Aqui me deito, e a árvore, em coro com o vento,

Sussurra a constante mudança do imperceptível.

Me encanto com seu brilho de diamante, vestígio de uma

Noite eterna que, contudo, não sufoca o dia

Com seu sabor de morte, nem com seu torcicolo sombrio que,

No ventre da luz, revela a crua verdade das coisas,

Uma atmosfera fleumática nos impõe sua densidade, leve

E bela, tornamo-nos então esquecimento para ser o espetáculo que

Faz tremer a vida diante dos olhos, ainda que não fujamos de nossos

Abismos, ou os utilizemos como catapultas para uma existência mais iluminada,

Somente a efêmera ternura que a vida grava em nós no instante,

E somos marés em movimento, em um parto interminável e inesquecível,

Me lanço na triangulação da cruz, esse braço estendido que avança

Para o horizonte, enquanto ascendo ao céu e à sua queda mais profunda,

E nos tornamos deuses sem pudor sobre a grade do exílio mais ardente,

E, de mãos vazias, nada levamos, exceto a memória que recupera outros

Tempos, e escuto gritos e o silêncio de uma multidão que hesita,

Mesmo quando o cadafalso generosamente lhe oferece o abismo, e a tristeza

Circunda nossas entranhas mais vis, e a esperança nos fustiga,

Ainda que nos agarremos a ela para que o chão firme não se desfaça

E nos arraste ao inferno.