CANTARES
Quero ser a voz da serpente no teu ouvido
os dentes com que mastigas o fruto proibido
a noite que contigo se deita no leito
a luxúria por debaixo dos teus disfarces
a sofreguidão inquieta dos teus desejos
a pornografia reprimida dos teus pensamentos
e o clímax gozoso das tuas recônditas entranhas
Quero ser teu João Batista invertido
a ponta do ouriço que te espeta os sentidos
teu cantinho do lábio mais sensível
o arrepio da tua pele acariciada
o frescor matinal do teu sabonete íntimo
a umidade desavergonhada das tuas lingeries
a chave do ferrolho dos portões subterrâneos
e a espuma do mar que um dia te criou
Quero ser o aroma suave dos teus unguentos
o ramalhete de hena a te tatuar o corpo
a fagulha do forjar do ferro em tua bigorna quente
a maciez dos lírios brancos em teus espinhos
o cálice da embriaguez do vinho ainda não tomado
a teologia do teu divino pecado original
teu Salomão sábio e despudorado
o pastor que desapascenta a lã das tuas ovelhas
e o adormecer do teu languido desmaio
Quero ser teu mais fiel amante
e juntos seguirmos adiante