tua carne
Tu não és lembrança, mas memória a desejar
O seu espaço, onde caibam teus braços e tuas pernas
E cogitar o fim das coisas, embora não saibam que
As coisas não terminam, evaporam por entre os dedos,
Somem para dentro, para dentro de outras coisas que
Não são capazes de abrir uma janela que caiba uma onda
Inteira, e lá dentro tu és fogo, vertigem que nos evoca
O sal na piscina de saliva, e tu gemes enquanto procuro
Teu retrato, nada mudou, somente o tempo a temperar
Teu corpo com outros sentimentos, desvirginado, contudo,
Em pensamentos, teu gosto da fruta mais doce, derrete,
Escorre, é lisérgico saber que teu corpo saliva quando
Morde uma fruta, quando abdica de tua nobreza para
Falar de tua língua, de teu jeito de amar para sempre as
Coisas que já amou, e tu me falas, e mal escuto, porque
Já sei que havia duas pessoas naquela piscina viscosa,
Folha de água a afundar no coração, teu silencioso andar
Decifrando minha queda, teu delicioso movimentar a me
Entregar tua pérola, e penso em nós dançando no mesmo
Quarto, em tuas mãos a me surgir para fora, agora, mais
Vida, deslumbre, aperto, as mãos a se perder em outro corpo,
O meu, o teu, então escuto teu coração, já não zombas de mim,
Sabes que guardei o teu reino ainda intacto, sabes da pedra
Onde sentei a te esperar, ainda que já afogado e já morto
Para viver de outro jeito quando seu peso se tornar tanto
Meu quanto teu, e te abraço, e tu és a minha luz e meu
Tormento, porque saber que tu és, faz doer minha carne.