Diálogo com a poesia “Canção à inglesa” de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa
Diálogo com a poesia “Canção à inglesa” de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa
Não posso, Álvaro, cortar relações com o sol e as estrelas.
Pois não houve há poucos dias um eclipse solar e nem vi?
Não gosto do escuro, o sol ilumina o dia no mundo e as estrelas iluminam a noite nos amores, na imaginação, nas canções e nas febres.
Ponto no mundo não poria, Campos, penso que seria melhor o mundo com linhas, retas, retângulos e com o centro pairando em qualquer lugar mesmo onde não haja compasso.
Pois sim, poeta, levei minhas mochilas e minha mochila das coisas que sei e que não sei e de tudo e carreguei a mim mesmo para um lado e para o outro e de tanto pesada as minhas mochilas foram para o fundo, só não sei se do oceano, do lago ou do rio.
Fiz a viagem, amigo português, comprei inutilidades e de igual forma me deparei com o incerto,
Só não penso que meu coração é o mesmo que fui, não é céu nem deserto, ele agora está com o auxílio de duas pontes mamárias e uma safena, são desvios no rio da passagem do sangue.
No entanto, penso como tu pensaste, Álvaro, falhei no ser, no querer e no saber.
Não sei o que é de certo alma, Campos, e também não sei se a luz a despertaria ou lhe roubaria a treva.
Não gostaria de ser náusea, poeta, pois já a senti e experimentei como ela provoca mal-estar.
Não quero ser cisma, nem cismar, pois não gosto de divisões e conflitos.
Sei sim que sou ânsia de viver e de bem viver, amigo.
Sou quem, de igual forma, fico a grande distância de alguns ou de muitos e de poucos.
E vou, Álvaro, embora meu ser não seja cômodo, ele é um turbilhão, uma avalanche e tenho dúvidas se é profundo.
Campos, estou atrelado, como tu estás, a algumas rodas do mundo e giro com elas para onde me levam.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 15 de outubro de 2023