a natureza presente
Tempo extrai a fruta no galho mais alto, também
o faz naquele onde as folhas tocam o chão.
O tempo colhe as frutas, depois as folhas,
e, quando na imensidão do esquecimento, colhe a própria árvore.
Enquanto isso, outra dimensão de sua própria labuta
enfrenta o sol, o solo, a chuva,
e, como se fosse o inverso, embora o sentido seja sempre o mesmo,
abre a barriga da terra
e, em sua sombra fértil, sopra-lhe uma semente.
Esse mesmo tempo, que colhe a vida que se fez morte,
adentra o sagrado e, como uma amorosa mãe,
faz a semente amadurecer, o broto inverossímil
e a folha, frequentemente envergonhada, depois da terra invaginada.
Seu reflexo de luz, o sereno e o encanto que a fazem crescer,
folhas, pequenos galhos e as flores,
como se algo lhe contasse que não está sozinho,
que outras lhe necessitam assim como ela também
ao celebrar com outros: pássaros, borboletas, outras flores, beija-flor.
Ela pudesse ser mais do que ela mesma;
então, ela abraça a vida quando a vida já lhe abraçou.
Ela não sabe que, em algum lugar, outros se foram
para que o brilho da eternidade lhe pousasse,
que mesmo que tudo passe, esse brilho a tudo perpassa,
pois é nele que pedras, mas também as pedras,
se iluminam de graça.
Planta que é generosa pelos frutos, pelas raízes
que fixa nos reinos profundos, e pelas folhas
que poderiam ser a gente, um amigo, nossos filhos,
essa folha que o tempo, que às vezes se faz de vento,
transita em diversos verdes até que toca o tom
que se aproxima do sol.
E sua textura, já não brilha, mas nos mostra
e nos doa sua fragilidade mais comovente.
Então, o céu se fecha, o escuro anuncia menos
um istmo de esperança enquanto a folha, enlouquecida,
geme nos interstícios do real.
O relâmpago, a atmosfera que acende conforme
a violência do relâmpago e o vento, sendo ele mesmo,
cumpre a fome da natureza de não ser outra,
senão ela mesma numa extensa percepção do presente,
tragando a si mesma para que faça de si mesmo
seu pedestal.
E assim, a vida se faz, consumindo a si mesma,
brinca com seus mil vértices que desdobram
em vórtices de extensas superfícies para que nutra
outros mil saliências côncavas que ora são sombra, ora são luz,
mas, de verdade, abraçados eternamente como dois namorados.