experimento

Olhando diretamente nos olhos dessa mulher,

saberá que há um ventre invisível entre dois espaços

que já estão tomados,

e o gracejo entre a névoa que sai do íntimo do encontro

não diz nada mais que a vontade dos braços

serem pontes que unem diferentes torres

de uma mesma cidade.

E esse frio, que entra na pele

e trafega livremente,

uiva uma verdade que era das serpentes

antes do homem saber que podia fabricar veneno.

E essa tarde emborcada não é fria nem quente;

é a vida se restituindo para caber no coração,

que o desejo não se habitua a subir a colina

nem a acender o farol,

onde homens ao mar rezam pela sua luz.

Breu, assombro entre a trombada de águas profundas,

gritos, quedas.

A inocência, olhada de perto, lembra uma árvore,

embora suas folhas demorem a deixar de ser verdes.

Se joga ao vento ou deixa que o vento faça sua parte,

acima das casas, nos telhados que reverberam

a clareza que somente o alto possui.

Como essas torres, como um farol,

ou a casa na colina onde um velho, desde moço,

vela sua própria juventude perdida

sem conhecer o sulco voraz

e os tremores de uma vida inteiramente ocupada,

ainda que chuvosa, ainda que trevosa,

ainda que inexata e sem o bastão

que o tornaria o mais adequado

para escrever o nome dos mais novos

na base da pedra.

E essas mulheres trazem filhos,

mas sabe-se que foram os amores que as predestinaram.

No fogão, leva a panela à exaustão,

assim como ela, que já não respira,

apenas o corpo vive, mediado pelo tédio

instalado e já inscrito na carne mais profunda.

E dizem amar o vento, o arbusto no solo erodido,

e a hora em que todos, na mesma,

não trocam nada mais que o uivo ressentido

que se imiscui no silêncio, quieto, mas ruidoso.

As ruas, poucas novas, as mesmas ruas,

e todos esses anos e as mesmas ruas

que se cruzam e dizem sempre o mesmo,

porque além dela, a rua só sabe daquela que cruza.

E as crianças, não mais sensíveis,

embora tenham um pássaro cujo canto ainda traz comoção,

sabem que os pais já são eles e eles são o vácuo incolor,

já que os pais ainda respiram.

E o céu atravessa a cidade para pousar sempre

no mesmo lugar onde a cidade termina

e os campos são escuros e já não pedem uma visita.

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No olhar direto aos olhos dessa mulher,

descobre-se um ventre oculto, um espaço entre mundos

já ocupados, e o gracejo na névoa que se desenrola

não é mais do que braços buscando ser pontes,

ligando torres distintas de uma mesma urbe.

E esse frio que penetra a pele, vagando,

é um eco de verdades ancestrais,

antes que o homem soubesse da arte de tecer venenos.

Essa tarde, nem fria nem cálida,

é a vida reconfigurando-se para habitar o coração,

pois o desejo se esquiva de escalar montanhas,

quando o esforço é maior que a recompensa,

ou de acender faróis para guiar os que no mar

suplicam por sua luz.

No breu, o espanto no choque das águas abissais,

gritos, quedas. A inocência, vista de perto,

assemelha-se a uma árvore cujas folhas hesitam

em abandonar o verde.

Lançar-se ao vento ou permitir que ele atue,

sobre os telhados que captam a essência do alto,

como torres, como o farol, ou a casa na colina

onde um ancião vigia a juventude que se foi,

sem conhecer a voracidade do tempo

e os tremores de uma vida plenamente vivida,

ainda que sob chuva, ainda que sob sombras,

ainda que imprecisa e sem o cajado

que o nomearia guardião dos novos nomes

a serem gravados na pedra.

E essas mulheres que trazem filhos,

marcadas por amores que as definiram.

mas que também as afastaram da sua própria pele:

No fogão, a panela é levada ao limite,

tal como ela, que já não respira, apenas sobrevive,

consumida pelo tédio que se aprofunda na carne.

E dizem amar o vento, a planta no solo desgastado,

e o momento em que, juntos, não compartilham mais

do que um lamento entrelaçado ao silêncio,

silencioso, pungente, porém estridente.

e todos sem saber encena a mesma peça

que o fim de ocorreu no teatro do lado, mas os

fios que ao sentido da vida estão gravemente enfermos,

As ruas, poucas renovadas, as mesmas de sempre,

ecoando os anos e as mesmas histórias,

pois além de si, uma rua conhece apenas sua cruzada.

E essas crianças, que lembram os pai em miniatura

que já falam como se já soubesse, sem no entanto experiementar

o gosto da chuva, do amor, ou das labaredas imperiais,

As crianças, agora, já, ainda que, distantes da sensibilidade,

mesmo com pássaros cujos cantos ainda comovem,

reconhecem-se como os novos guardiões do vazio,

enquanto os pais ainda respiram.

E o céu, atravessando a cidade, sempre repousa

no mesmo limite onde a urbe cede lugar aos campos escuros,

que já não clamam por visitantes.