A MALDIÇÃO DO POETA

Tenho a alma arredia.

Desperto quando é noite,

Anoiteço quando é dia.

Ordem e caos em comunhão.

Ser poeta é maldição.

Para a carne, ser o punhal

Num mergulho profundo de dor.

Confundindo o efeito e o causal

Numa poética extrema-unção.

Ser poeta é maldição.

Ter o amor não correspondido.

Pôr a amada onde não alcançar.

Como marginal, amar escondido,

Em consentida escravidão.

Ser poeta é maldição.

Para os que ser é ter, ser pouco.

O necessário ser em abundância.

Entre os que sabem tudo, ser louco.

A direção certa na contramão.

Ser poeta é maldição.

É ser amor em todo canto,

Não ter paz sem seu encanto,

Causar espanto por querê-lo tanto,

Cego que enxerga na absoluta escuridão.

Ser poeta é maldição.

Triste, soturno, timorato – é ode.

Feliz, noturno, enamorado – é elegia.

Sofre, deleita, pena, goza em tristeza e alegria,

Mas aos estoicos responder com exuberância e mansidão.

Ser poeta é maldição.

É ser dono de saudade que abunda,

Que inunda os olhos quando o coração não basta.

Mas aos prisioneiros do passado não secunda.

Lembranças são bem-vindas, saudosismo não.

Ser poeta é maldição.

Com inspirações enlevadas, febril, copular;

Nas palavras flertadas, orgástico, ejacular;

Versos e estrofes, em delírio, fecundar;

Gerando poemas e sonetos em profusão.

Ser poeta é maldição.

É estar ao lado da amada, que lhe é alheia,

Numa trama complicada em que lhe sou estranho,

Amante ignorado tecendo, sem saberes, a teia,

Mortalha que me cobre em perpétua solidão.

Ser poeta é maldição.