duas não, uma!

A noite não estanca o dia,

mas o expõe à sua fragilidade.

Não espanca aqueles que dela têm medo,

mas diverge de suas identidades.

A noite agrega à pedra sua parte escura

e abraça as árvores, tornando-as assombradas.

Mas, para outros, a palavra é assombro, perplexidade

da coisa não apenas vista, mas flagrada.

A noite não se faz com estrelas,

embora estas lhe permitam a contradição

de torná-la mais noite pelo contraste,

como os grandes pintores que, ao florescerem

sua arte, fazem a noite existir,

ainda que nela sejamos felizes.

Mas e o dia? Perfumes iracundos

nos sorvem para um mundo de árvores,

nos prendem numa flor, nos percorrem

por brisas infiltrantes que de longe

trazem outro fragor.

E o que dizer desse lago e do céu que,

na labuta do vento, mostra-se fragmentado?

Os pássaros, as borboletas,

a imensidão de borboletas amarelas,

vermelhas, violetas...

Entretanto, não é da noite que exasperamos,

nem desse dia claro que amamos,

mas desse entrelaçamento que expõe o sol

a assombrar o outro lado da montanha,

a copa da árvore, secreta,

que lembra abandono, a ofuscante luz

que na noite reaparece, seja estrela, luz, galáxia,

ou outro sonho que nos resvala.

A vida não é ele, o dia,

nem é ela, a noite;

a vida é inteira, clara, escura,

escura e clara, mas não nessa ordem,

mas em emaranhados, como se a vida

almoçasse a morte e a morte,

bem maquiada, se entregasse a outra amada.