Nas Veredas do Ser
Nas veredas que meu medo desenha,
não busquei.
Um muro, talvez mais sonho que pedra,
nos delata pelo olhar -
a face inquieta do desespero, desvelada.
Não lancei perguntas ao abismo,
perguntas sem vestes de signos,
que, na ausência de respostas,
ofereceriam o silêncio -
um suborno às fadigas da dúvida.
Não um salto no vazio,
mas a moldura para um retrato jamais pintado.
Não ousei cruzar o lago cujas águas, profundas,
estrangulam o corpo,
nem o reduzi a mera ilusão.
Evitei o cinismo de uma liberdade fingida,
preso a um enigma que veste a pele,
nos separando da beleza mais pura.
Mas, por um instante,
guiado mais pela inocência que pela intuição,
vislumbrei na sombra
a sua fatia mais luminosa.
Na praça que ainda me visita,
o rosto delicado e audacioso
daquela que, em um átimo,
se tornou a estrela solitária em meu céu -
iluminando, certificando
que ali, talvez, uma cidade poderia nascer,
uma ilha onde aprenderíamos a arte de viver.
Desfeito de ambição,
com o gosto da terra entre os lábios,
e o rosto molhado pela chuva,
recompondo-me não como alguém amado,
mas como o farol que guiou minha estrada
até desaguar neste sonho,
onde a palavra, ainda que ensanguentada,
é o maior tesouro.
A sombra de um desejo,
seus seios, suas coxas,
sua boca de signos
que me atam a uma galáxia,
oferecendo-se como luz e palavra.
E, embora o claustro aperte,
essa linha fibrosa acende a memória austera,
iluminando um passado até então oculto pela escuridão,
mas que agora alimenta meu ser.
Entre um gole e outro,
a vida se desdobra,
nos desbravando silenciosamente
para uma lucidez que, na penumbra,
define as formas extáticas da existência.