extaticamente
Não busquei, nas trilhas que ladeiam meus temores,
Aquela muralha, mesmo sendo uma sombra,
Que nos trai com um olhar,
O rosto mais tempestuoso do desespero.
Não lancei questões às quais eu mesmo
Não daria forma em símbolos,
Que, se eco não encontrassem, ao menos
Me envolveriam na quietude cósmica que
Adquire o cansaço da incerteza nascida.
Não, não como fuga da própria sombra,
Mas na moldura destinada à obra-prima,
Não me atrevi a cruzar o lago abissal
Que sufoca o alento da carne,
Nem o pintei como uma farsa, para que, com
Cinismo, disfarçasse a liberdade, e não
Ficasse ancorado a um mistério que nos veste
A pele e nos aliena da beleza essencial.
Embora tenha tocado, mais por inocência
Do que por visão clara,
Tão profundo que fosse a chave para desvendar
Na sombra sua parte mais luminosa,
Lembro, distante, no banco daquela praça
Que ainda me persegue, o semblante terno
E audaz daquela que seria o brilho ofuscante,
A estrela solitária, plena, cuja órbita
Não somente irradia luz, mas a certeza de que ali
Se levanta uma cidade, um refúgio, talvez,
Onde seres batalham consigo mesmos pela arte de viver.
E, livre de toda pretensão,
Com gosto de terra nos lábios, e no rosto,
A frescura da chuva, mas com a juventude a reconstruir os cacos
Não como alguém que amei, ou que me amou,
Mas como o farol que direcionou meu caminho até
Chegar a esse sonho, onde o maior bem
É a palavra, mesmo ensanguentada.
A sombra do desejo, teus seios, tuas coxas de ébano,
E tua boca de mistérios, que me prenderiam para sempre
A uma galáxia pronta a se revelar em luz e palavra,
Assim, embora o retiro se mostre austero, essa chama
Que acende a memória mais árdua e me ilumina
Para um passado até então encoberto pela sombra, mas que
Agora é de onde tiro meu sustento, minha bebida, e esse
Instante que, entre um gole e outro, enfrentamos a vida
Como ela é, farta e silenciosamente nos convidando
Para uma clareza que ilumina nas sombras os contornos que definem
As formas extáticas da existência.