ainda que breve, a vida
Sei que em teu seio a vida se desdobra,
mais que mostra, um ocultar na sépia do tempo que nos camufla,
orvalho de amora, lívida, vibrante,
a vidreira contorce-se, esconde a uva incandescente de teu ser,
pois houve fogo em tua lubricidade, e no silêncio,
os símbolos, mais vivos que a própria vida, tecem na solidão
uma outra existência, inesperada e vasta.
Teus olhos, janelas, não projetores,
descem sobre o mundo, dizem da brasa interna,
da morada que queima sem que o espelho conheça o vácuo,
és, ainda temerosa, no sulco mais profundo de tua matéria,
a água que corre, cascata livre,
delícia discreta do ser, evanescente, amoroso,
frescura e orvalho na fadiga do entardecer,
e sabe-se vida, na sua voragem mais escandalosa, sublime, celestial.
A violência atravessa a resistência,
pedra que é pedra, queda que é queda,
e no alto, a queda é apenas movimento,
ouro transfigurado, prata do rosto preservado,
reflete a vida, inesperada, não simulacro, nem tragédia,
mas dignidade no caduceu de mãos vazias.
Turva, assombrosa, assombrada,
desespero desencapa o fio mais elétrico,
e ainda assim, a árvore no quintal, sensível às estações,
responde com frutos, futuro já presente,
passado que pesa, futuro que ameaça,
tudo no agora, seiva generosa onde o ser se desdobra.
O tempo deixa de ser, nas folhas extremas acendemos,
eternamente, mesmo no instante,
para um vento extremo, fugaz, amante,
luminoso como o amor que brota da flor na manhã serena,
vida simples, calma, nos transforma na outra face a ser degustada.