poema 8
8. Escrever sobre o cotidiano parece mais fácil
um atalho, mas por algum motivo que já não me recordo bem
escrever sobre o cotidiano é tão difícil quanto
estender a roupa no varal
ou a visita ir embora
quando olho para o lençol bege amassado
e a pilha de livros que foi mudada recentemente para o chão
entre o espelho e a cama
aí sim parece que as palavras vêm como uma chuva forte no inverno
mas nada é perfeito
então me permito ao lençol amassado
à pilha de livros e a frustração
de uma ideia recém nascida
divago na incerteza
da ponta do lápis entre a mão e o papel
divago por um instante na abertura sutil da janela
e na aspereza de um cacto
desperdiçando pouco a pouco
na frente da geladeira
alguns minutos que poderiam ser divididos
durante o domingo ou quem sabe no sábado seguinte
mas tudo isso parece tão distante
então me agarro à silhueta misturada ao lençol
a intenção de ficar pequena
escalar a pilha de livros e buscar por palavras prontas
vocábulos que eu ligue uns aos outros
e crie um corpo
uma geladeira nova
um cotidiano.