diante da noite
Com dedos trêmulos, raspo a membrana do céu,
ousando contra o universo, insolente!
Diria alguém que me acredita de
Outro, e não esse que não sabe
Seguir os andares conforme se apresenta,
palavras desprovidas de ser, intoxicadas
Sem a platibanda onde o sol estilhaça
Seu corpo dourado no telhado -
misericórdia pelos livros esquecidos,
misericórdia! ainda amando e desprevenido
diante, essa noite que se aproxima!
Para outros, que já no meio da tarde
não se sabe candelabro de chama abafada,
sob o leito onde ela se esconde -
era um pergaminho, agora é um seio
a fazer perguntas, e seus lábios – essa
clareira da existência onde queima
uma vida para sempre, como também
a garganta supera a memória que
que se saísse do barro não seria tão grave
diz: não passa de
chamas que torturam uma borboleta azul.
Talvez eu seja essa criatura alada,
asas ocultas sob o peso das coisas
Que são pesadas, se voar dá medo,
De soltar os pés da escuridão mais imediata,
E não é sempre que trocamos o medo pelo
Assombro: a brutalidade de uma árvore,
cravada na terra, seu lamento ou êxtase,
saboreando sua existência primordial.
Falo de um lugar esquecido,
mesmo sobrevoando sua etérea concavidade.
Lápide, embora respire e a brasa
Queimam todas palavras e os lábios
Articulam: Lembro de amar uma menina,
que, já inscrita, na gordura que sufoca a carne
É lembrada menos que o esquecimento (que dói de coisas lembradas)
quando o tempo era um sussurro lento.
E dele desabrochava flores, e as tardes
Eram dessa que já entranhada na vida
As repetíamos como se apenas uma tarde
Nos pertencesse.
E nessa tarde comecei a correr
Ainda em fuga, dentro de mim,
embora houvesse um beijo que foi absolutamente desenvolvido no espelho,
o mundo parado enquanto corro,
desesperado, daquilo que fervilhava sob minha pele.
Essa parte minha que não conversa
com as palavras e nem elas a comove
E que, mesmo o rio me banhasse, o mar
Me afogasse, não cede, porque tem
Coisas que se entranham na pele
Essa pele, minha pele, que me guarda
Do carvão, ainda que glorificado, esticada nas curvas das ruas,
minha voz, uma estrada implorando por aromas - e
outra pele que me destile todo
que me torne uma manga, ou um coqueiro a beirar o céu,
que cada vez mais azul me transborda o sangue
e me diz a terra vermelha e essa vontade de chorar.
E essa minha a voz há não se conformar, ainda
Que no pedregulho minha casa esteja:
Cada suspiro, precioso,
até a estrada se dividir,
e eu, guia de mim mesmo a catalogar
mas o tempo acumula e nos tira as palavras da boca, e a estrada que agora
Canta em várias vozes e todas elas parece
Me pertencer, testemunha, a lâmina,
Jorrando do corte, sua infernal doçura
que se estilhaça. E ao fazer isso, me diz
de muitos jeitos e não mais me encontro
até que a vida faça algo de mim. E ela,
ela vibrando o assoalho com sua beleza
densa e virgem, se abrindo, abocanhando
toda ternura que sai tanto da pedra
como de casa guarnecida, rara, raramente e extensamente verdadeiro
dentro de nossa cabeça e que, em mesa
de sala, converso comigo que não passo de lagoa
a se espichar pelo passado, então ela,
Ela, sentada; o beijo entregue, e a fuga para dentro.
Houve o beijo e nossas bocas
Naquele instante se reconciliaram sem que
Houvesse antes qualquer separação
ainda que lembre da dor de uma partida, e a luz estava
Presente, sentado estou, ainda fugindo,
o coração entende -
minha existência, uma corrida
extrema correndo em minha transversal mais valiosa.
Correndo como se a pele fosse uma extensão dos pés,
correndo adormecido, enquanto questionam
se podem me seguir, não que eles não
Pensem em me punir, se era água adocicada
Espalhei sua sombra na calçada,
Eles desistem, pois o sol perfura a existência em um dia claro,
e na claridade o medo seca como o amor que não se molha,
Ou por isso a camélia cresce tão viva
Quando chove e nossas mães olham pela
Janela, enquanto na rua sabíamos do mundo e já
Não grita, já não fala, suspira e seus olhos vêm
Atrás da gente, cuidando-nos de uma
Vida que nunca esqueceremos:
Essa escuridão que não cai, mas sobe,
irritada, através do solo, perpassando
com seu ronco intransponível,
tocando o osso mais íntimo, a víscera, aturdida
confundida com uma laranjeira incandescente de escuridão.
De tão escuro o mundo deu volta.
Um pequeno quintal, intensidade, uma extrema violência
que arde apenas como tristeza.