momento
Toco com meus dedos na membrana do céu,
transgrido o universo, sou insolente, impertinentes são
as palavras alinhadas no beco escuro. Piedade, os livros
abandonados sob o leito, e ela, por onde anda? Talvez num pergaminho
onde seus lábios, incendiários da luz, torturam uma borboleta de azul profundo.
Talvez seja eu, alguém dotado de asas como essa borboleta,
mas ocultas sob o temor de elevar-me. Não alcanço a entender o peso
dessas árvores que se cravam com tamanha brutalidade na terra. Será que escuto seu lamento,
ou será o reflexo de seu êxtase, sua essência diamantina que a árvore saboreia primordialmente?
Falo de um lugar cujo nome me escapa, ainda que sobrevoe sua concavidade etérea. Recordo-me de ter amado uma mulher, daquelas que agravam nossa existência quando o tempo sussurra lentamente em nossos ouvidos.
Após o beijo, o único fermentado pela coragem, fugi. Creio que,
em algum recanto dentro de mim, ainda estou em fuga, e as coisas parecem imóveis enquanto corro,
em desespero, escapando do que fervilhava sob minha pele. E a pele se esticava pelos contornos das ruas,
e minha voz era uma vasta estrada onde todo aroma solicitava passagem. Precioso
era cada suspiro, até que a estrada bifurcou-se mais do que eu, que a guiava,
e vi uma lâmina laboriosa estilhaçar. Ela, sentada; entreguei-lhe o beijo e fugi, fugi para dentro.
E na tangência do que os olhares proferiam, no cinema, sentado e ainda em fuga,
porque ali o coração compreendeu que minha existência seria uma eterna corrida, correr como se a pele
fosse extensão dos dedos dos pés, correr adormecido enquanto outros sonhos indagam
se podem me seguir. Desistem, pois o sol perfura a existência em um dia límpido,
e a noite é apenas outra preparação para a escuridão mais profunda, aquela que
não desce do firmamento, mas ascende irritada pelas camadas do solo, esquivando-se do que
poderia iluminá-la, e alcança o osso mais recôndito, a víscera tão profundamente que se confunde
com uma laranjeira incandescente de tanta escuridão. Então percebo que a ponte está fraturada, e
um pequeno quintal cercado oculta uma ferocidade que, por ser tão intensa,
arde somente como tristeza.
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Rasgando o Céu
Com dedos trêmulos, raspo a membrana do céu,
ousando contra o universo, insolente!
Diria alguém que me acredita de
Outro e não esse que não sabe
Seguir os andares conforme se apresenta
palavras em becos sem luz. Intoxicadas
Sem a platibanda onde o sol estilhaça
Seu corpo dourado no telhado,
misericórdia pelos livros esquecidos,
para outros que já no meio da tarde
não se sabe candelabro de chama abafada,
sob o leito onde ela se esconde -
era um pergaminho, agora é um seio
a fazer perguntas, e seus lábios – essa
clareira da existência onde queima
uma vida para sempre, como também
a garganta supera a memória, onde voz
que se saísse do barro não seria grave
diz: não passa de
chamas que torturam uma borboleta azul.
Talvez eu seja essa criatura alada,
asas ocultas sob o peso das coisas
Que são pesadas, se voar da medo,
De soltar os pés da escuridão mais imediata,
E não é sempre que trocamos o medo pelo
Assombro: Não compreendo a brutalidade das árvores,
cravadas na terra, seu lamento ou êxtase,
saboreando sua existência primordial.
Falo de um lugar esquecido,
mesmo sobrevoando sua etérea concavidade.
Lápide, embora respire e a brasa
Queima toda palavras os lábios
Articula: Lembro de amar uma mulher,
que, já inscrita, na gordura que sufoca a carne
É lembrada menos que encampada
quando o tempo era um sussurro lento.
E dele desbrochava flores, e as tardes
Eram dessa que já entranhada na vida
As repetimos como se apenas uma tarde
Nos pertecesse.
Após o beijo, o único beijo, fugi.
Ainda em fuga, dentro de mim,
o mundo parado enquanto corro,
desesperado, daquilo que fervilhava sob minha pele.
E que mesmo o rio me banhe o mar
Me afogue, não cede, porque tem
Coisas que nos são debaixo da pele
Essa pele, minha pele, que me guarda
Do carvão, ainda que glorificado, esticada nas curvas das ruas,
minha voz, uma estrada implorando por aromas.
E minha a voz não se conformar, ainda
Que no pedregulho minha casa esteja:
Cada suspiro, precioso,
até a estrada se dividir,
e eu, sua guia, e estrada que agora
Canta em várias vozes e todas elas parece
Me pertencer testemunha a lâmina, imprevidente sim
Jorrando seu corte, sua infernal doçura
que se estilhaça. E ao fazer isso, me diz
de muitos jeitos e não mais me encontro
até que a vida faça algo de mim. E ela,
ela vibrando o assoalho com sua bela
densa e virgem, se abrindo, abocanhando
toda ternura que sai tanto da pedra
como de casa guarnecida, rara, raramente
dentro de nossa cabeça e que em mesa
de sala, converso comigo que não passo
de parede se espichar pelo passado, então ela,
Ela, sentada; o beijo entregue, e a fuga para dentro.
houve o beijo e nossas bocas
Naquele instante se reconciliaram sem que
Houvesse antes qualquer beco, e a luz estava
Presente , sentado estou , ainda fugindo,
o coração entende -
minha existência, uma corrida eterna.
Correndo como se a pele fosse uma extensão dos pés,
correndo adormecido, enquanto sonhos questionam
se podem me seguir, não que eles não
Pensem em me punir, se era água adocicada
Espalhei sua sombra na calçada
Eles desistem, pois o sol perfura a existência em um dia claro,
Ou por isso a camélia cresce tão viva
Quando chove e nossas mãe olham pela
Janela enquanto na rua sabíamos do mundo e já
Não grita, já não fala, suspira e seus olhos vem
Atrás da gente, cuidando-nos de uma
Vida que nunca esqueceria quando na cama
Repasse suas pernas e as minhas,
e a noite, apenas o prelúdio da escuridão mais profunda.
Essa escuridão que não cai, mas sobe,
irritada, através do solo,
tocando o osso mais íntimo, a víscera,aturdida
confundida com uma laranjeira incandescente de escuridão.
Então vejo a ponte quebrada,
um pequeno quintal cercado esconde uma intensidade,
que arde apenas como tristeza.