inviolável
Quando o tempo, impiedoso, desaguou,
Lá onde tua presença se dissolveu em sombra,
Restou apenas o ventre rasgado, entregue à terra fria;
Embora encarnada, sua essência secretamente se esvaía
Em promessas não cumpridas, não do solo estéril,
Mas da montanha mais alta, onde outrora o sagrado
Desvirginou-se na luz febril, uma lâmina morna e suave
Deslizando entre coração e pele.
Adentraste, então, a vereda da mais doce decadência,
Tua sombra degustou o vértice da perdulária façanha,
Saltaste continentes, cavernas, sem temer o desconhecido,
Esse fio de desespero que, ao não enfrentar o horror,
Se infiltra na invisibilidade de teu ser,
Fechando os olhos como quem recusa o banho das pálpebras
E apenas vigia, vertical e atento.
Concedeste asas à visão que desvela o escuro,
Perfurando o céu sem resistência, e teu coração,
Assanhado, mergulhou no sol como se a terra
Não portasse uma superfície sólida, mas sim um abismo,
Uma caverna esculpida além dos signos,
Onde nem as águas dos símbolos conseguem se afogar.
Sem demover a tensão que teu nome poderia trazer,
A coluna sustenta os braços e geme, evocando, talvez,
O nome do pai ou da tribo ancestral,
E então, embriagado pelo néctar mais puro,
Furaste o firmamento, deixando que a sombra
Penetrasse o reino sagrado, questionando-se
Por que permanecer tão baixo quando se pode ascender ao céu?
Ela, amante vertiginosa da escuridão, não pensou em ti,
Embora te amasse como o contraponto de tua existência,
Infiltrando-se em tua carne rubra com desejo,
Sem astúcia, confundindo-se com a graça,
Como se a beleza pudesse ser roubada.
Agora, ancorado no canto de teu lar,
Com a soberba de uma vontade estiolada,
Observas o tempo, outrora governado por Saturno,
Devorando teu fígado, que, se não se regenera,
Infiltra-se nas entranhas do eterno,
Preservando na pele externa a mais doce e delicada familiaridade.
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A vida, essa amante feroz, me envolve e devora,
O tempo, um rio impiedoso, arrasta
A tua ausência, que se torna uma presença viva, um abismo
Aberto à terra, que, embora saturada,
Continua a sangrar, secretamente, promessas não cumpridas
Do teu ser, mas das alturas que transformam
O nada em um silêncio quase sagrado,
Lá, onde o ser se desintegra e se reconstrói,
Onde a pureza é perdida não pelo corte, mas pelo toque,
Uma febre de luz, deslizando
Entre o coração e a pele, revelando
As veias ocultas, imergindo no âmago
Que fala da vida em sua forma mais crua,
Nos invade como amantes, na extensão de um leito que nos consome,
Um seio, cujo veneno nos nutre com sua profundidade,
Entramos, desgastados, na trilha do prazer mais selvagem,
E tua sombra saboreia o êxtase, o abismo,
Tua mais extravagante derrota,
E tu saltas, entre continentes, cavernas de desespero, o desejo escuro,
O medo não te toca, essa linha de pânico
Que, diante do desconhecido, se dissolve,
Se não lhe damos a visão que perfura
O invisível do teu ser, fechaste teus olhos,
Não os da face, mas os da alma,
E deste asas ao que revela
A escuridão e o mistério, sem resistência, perfurando e cegando
A vertigem mais doce, onde o horror
Transforma o medo e faz do vazio seu refúgio,
Amada, vestida com a matéria escura que incendeia
O divino na pedra mais comum, e teu coração,
Ardendo, mergulhou no sol como se a terra
Não tivesse superfície, revelando, aos poucos,
Uma textura escura e imprevisível,
Esculpida além da substância que se torna símbolo.
Ou comovida, pelas águas que os símbolos consomem ou proclamam,
Mesmo que pela sua silhueta ou pela pele do vazio,
Antes, sequer alivia a tensão que ao menos teu nome evocaria,
A coluna que sustenta os braços ou a geometria inscrita na existência,
Talvez, como um sussurro, o nome do pai ou o eco de uma tribo perdida,
Lançada na dimensão do tempo. Então, com o sabor agitado pelo néctar
Mais amargo, perfuraste o céu, deixaste que a malícia da sombra
Invadisse o limiar do divino, e ela, amante voraz das trevas,
Às vezes consumida por elas, ambicionou, ela mesma, a vastidão,
Questionando: por que me contentar com o abismo se posso ascender ao nada,
Transformar-me e desenhar-me como crepúsculo? Ela não pensou em ti,
Embora te amasse como o contraponto de tua queda,
Admirando-te como a porta para o abismo,
Que na tua carne desejante se infiltrou, e tua carne,
Desprovida de tua astúcia, confundiu-se com ela, como se a beleza
Pudesse ser roubada, e não apenas ser trágica em sua plenitude.
Assim pensaste, para tornar o peso suportável, e agora,
Aninhado no canto de tua solidão, em desespero, ainda que desejoso,
Podes olhar no espelho do teu espírito e reconhecer que tudo isso é tu,
Essa montanha que sonhaste, essa sombra que tentaste enganar,
Esse fígado que o tempo, sob o domínio de Saturno, consome,
Toda essa sede e também essa água, esse medo e essa coragem,
Essa ausência que te impulsionou à aventura mais sombria,
Essa vontade de morrer e essa vida que te sufoca,
Tudo isso é tu, entrelaçado nas vísceras do eterno, pois este,
Também é teu dom, tua maldição, que se consome com tua fome,
Mas que na tua noite se regenera,
É a vida em seu estado de desgraça e em sua eterna queda,
Pois é caindo que se sobe e subindo que se afunda,
É tudo e é nada, e, embora seja poeta, é cinza tudo que
Já se disse dela, é enigma e desespero, água e deserto,
A dança macabra dos contrários, um equilíbrio precário que se lamenta,
Mas também é coisa simples, a formiga persistente, o orvalho de chumbo,
O passo lento do cansado e a explosão da juventude, agora perdida,
É temporal, cercada por Saturno, mas eterna, quando capturada ela escapa,
Quando imensa, limitada, forte e frágil, olhando de novo, desamparada,
É amante cruel e, outras vezes, indiferente, tão infinita quanto breve,
Pesada e sempre leve, é a vida, tu, todos,
Aqui e lá, no alto e no fundo, acolá, os extremos, os meios, e o intermediário, ela é.
Não sendo e sendo, já não é, e fora é dentro, é alegria e sofrimento,
É amorosa e terrível, ela me cuida e me devora, e quando falo dela,
Estou errado, a menos que esteja de fora,
Porque sendo também ela, o que falo, já se evapora.