o poema em formação
Não é o verso que arde, nem o poema que delira,
mas sim o tumulto das palavras,
oferecidas em sacrifício, difíceis, desobedientes,
apaixonadas, selvagens e domesticadas,
todas amadas em sua heterogeneidade, texturas
de contraste, duras, veias expostas,
corações tortos, palavras curtas, longas, puras, profanas,
ou desvairadas, e o coração incendeia-se, e a vida comove e arde,
é quente a existência se reinventando, o verde se aprofundando,
o carvão queimando, o sangue, as veias, as artérias, o caldo
de universos múltiplos, do inverno severo à primavera efusiva,
e tudo aquece, e tudo enfrenta, não as capturo, elas se entregam,
não a mim, um mero mensageiro, mas ao poema que
nasce aprisionado, já consciente das partes
que o isolam do resto, mudo, vivo, fervente, herói, vilão,
amoral, natural, genuíno, da vida, seu pó, do todo, sua
pedra fundamental, celebração, luto, riso, morte, velho, novo,
infância, o sol, a luz, o vazio cósmico e nossos dedos se movem
sob a batuta de quem, de outro poeta? Talvez, pois
este apenas segue, e ascendermos, respiramos, compreendemos, nada
falamos, apenas as mãos se movem e nos revelam sobre algo que
nasce, cresce ou murcha sob o olhar que o contempla.