Décimo primeiro ou décimo segundo conto poético: se eu tivesse o que não tenho
Atenção
Se realmente quisesse
No que isso mudaria
Um mundo diferente em que o sim diz mais não
E eu digo, em pensamento
Porque durante a ação...
Nação que eu sou
De um só
Um Vaticano com apenas um morador
Um papa com jeito de coroinha
De primeira comunhão
E eu penso se conseguisse lembrar de tudo o que vivi
Se sofresse de hipertimésia
Se não me causaria um nó
Se já sofro com o pouco que as minhas mãos pequenas carregam
Farelos de tempos tão sólidos
Fotos em retratos, registros
Símbolos da minha teimosia
Do meu ódio pelo tempo
Do meu descompasso com a vida
Do nosso
E eu penso se não fosse esse poeta melancólico e tímido
Se tivesse mais apreço pelos números do que por palavras e sentimentos
Se seria mais
ou menos sóbrio
Andando de terno e gravata
Jantando em restaurantes caros
Se alienando do mato que pisa
Do chão que um dia será a última morada
Rezando por mais dinheiro
E agradecendo a si mesmo
Virando cada esquina, desprezando momentos, simplicidade, poesias
O quão desprezível seria??
Ou se fosse ainda mais problemático do que já sou
Se tivesse algum transtorno mais sério
Se fosse mais do que o oposto de um burguês reprodutor
De alguém que vive de comprimido a comprimido
De equilíbrio estéril
Que prolonga vidas ou engana a dor
Enfim, se não estivesse no meu centro de gravidade
E fosse um planeta menos azul e menos vivo
Ou, pelo contrário
Se fosse muito quente, insuportavelmente perto do Sol
Ou se realizasse todos os meus desejos
Mesmos os mais impudicos
Acabaria como um profissional do mundo pornográfico
E, na luz do dia, ainda daria conselhos como um monge sábio e cínico
Navegando no meu mundo bi ou multipolarizado
Quem sabe...
Se é só porque eu vejo mais de duas perspectivas
Ainda assim, tão maniqueísta...
Se eu não me engano com os espectros
Se são as margens e os restos que me interessam
Fronteiras, essências, primárias perspectivas...
Não onde a maioria se assenta
Na terra do meio de um verso
Onde ambiguidades e meias verdades se atravessam
Se já ficou muito confuso o que deveria ter sido apenas mais um conto poético
Se nem sei onde estou nessa série de textos controversos
E chamá-los de contos, se seria preciso e honesto
Talvez, seja melhor não ser mais atento
Se já sou para o que é mais real e triste
De apenas seguir pelo único caminho, do mais íntimo sofrimento
Sem fantasias ou eufemismos
Apenas a densidade de um mesmo destino
de todos aqueles que existem por dentro