no ombro da noite
No ombro da noite, teu rosto
boia — lua em lagoa desmedida,
prateada. Deito na relva, sob céu
tórrido, e minhas memórias abrem
as terras por onde passei. Teu encanto
silencia o chamado do meu pensamento;
chove, vigorosa, esta noite que nos nega
passeios, desconhece estrelas que desçam
ao encontro de dois moribundos a contar
as horas que ainda lhes moldam o coração.
E teus olhos derramam sobre mim
a face mais amorosa; a roupa,
a mesma, talvez um tanto envelhecida,
vestida da sensação de que tudo finda,
e nós seguramos — até o girassol mais pesado
sobre nossas cabeças, enquanto o aço mais límpido
cai à nossa frente. Nenhuma palavra desfaz
a sinfonia de uma tarde cedendo à noite.
Inadequados, procedemos como se houvesse
ainda uma queda d'água, sorrindo para nosso abismo
antes protegido, talvez invisível, desconhecido,
agora exposto, a revolta, o pus, palavras
apodrecidas, cidades em chamas, todos clamando
por salvação. Não nós, que beijamos a esquina sem virar,
sabendo que outras veredas já se tornavam caminho,
para que cada passo conheça sua própria medida.