Quando vamos encontrar um amigo
Quando vamos ao encontro de um amigo,
Não vamos sozinhos, mesmo sem perceber.
Abrimos a porta do sótão, do quarto avarandado,
Onde a luz estraçalha toda violência que se aventure.
A despensa, às vezes, e por que não, o sótão escuro,
Com suas infâmias atormentadas, seus cadáveres ainda falantes,
Onde estão guardados aqueles, cujas memórias mais
Nos destronam do que nos enaltecem, no caminho até encontrar.
O amigo, a reunião na sala do ventre, rostos há tantos esquecidos,
E outros tão populares e acordados como essa árvore que
À minha frente se escabela diante do vento que pronuncia a chuva.
O burburinho na barriga, quanta lembrança que ainda vaza
Gotas de sangue, quanto carvão não queimado, quantos bagos de sombra ainda inarticuláveis,
E nossa presença se esforça para ser, consistir, acontecer
Em meio ao carnaval escuro ou à noite brilhante que juntas, conforme.
O tamanho do córrego, ou das ocorrências do amigo no pretérito da estrada,
Corre o azeite em paralelo, indiferente, infalível,
Falsamente imperturbável no reflexo de uma imagem.
Sempre insatisfeita, deseja na falta e desejando na fartura,
E sofrem e se pudessem gritar, quebrar os móveis do pensamento,
As louças já degradas e que teimam em cantarolar a mesma cantilena.
Que outros tempos chegaram e me afogar,
Pedaços de esperança que o mundo se torne
Seu, ou que lhe mostre o portão onde as ninfas tanto eloquentes
Quanto inconsequentes lhe estenderiam as mãos, os seios, sexo.
Em brasa a lhe embarcar numa aventura de sensações, refrescante
Intensamente e extrema à beira de uma sombra ofertada pelo vazio.
Então, assim, descemos, o amigo, amigo talvez, já espere, talvez saiba
Das impropriedades desse poema, talvez já tenha aberto também suas portas que,
Entranhada no vácuo de toda a vida, guarda o fogo como também o inverno mais rigoroso de suas cavernas.
Desço a rua para o encontro, uma multidão indo
Em direção a outra multidão, mas de outro modo
são apenas duas pessoas indo tomar um café em uma cafetaria