o inventário dos anos

No rosto das pedras, os anos desenham sua passagem,

na urgência das pernas, no desgaste dos dentes,

os anos se desdobram e saltam,

torturam mãos silenciosas, transformam a luz

em sombras, embora em recantos esquecidos,

fogos se acendam, e o incombustível se inflame com o tempo.

Revelações emergem dos esconderijos,

enquanto enigmas permanecem,

sobre os muros, pinturas se sobrepõem,

cada uma encobrindo a outra,

e a mais profunda marca do tempo se veste

em camadas entrelaçadas, misturadas,

indefinidas, emergindo prematuras,

meticulosamente tecidas através de invernos e verões,

homens nos dão nomes,

com a luz fugaz de estrelas cadentes,

somos feitos de palavras,

quebrando-nos através do tempo,

não lamentemos a beleza perdida,

mas aquela que, a cada instante, nos chama.

Saltos memoráveis nos dobram, moldam-nos

na catedral do abismo,

torres invertidas, temerosas,

nossas partes fragmentadas,

por isso, a luta, o vasto vendaval

de madrugadas, e as manhãs, apenas na memória,

fortalecem o amanhecer.

Somos deuses enfermos, esgotados, corrompidos,

temerosos de olhar para o céu, suas supostas moradas,

caminhamos e morremos,

mas não sem antes semear outras sementes,

que farão a mesma jornada do casulo ao sol ardente,

e no final, o inventário dos anos.