A POESIA EM ESTAR SOB JURA DE MORTE

Dando adeus à última das quimeras

Percebo a minha mão pesada na janela

A fixar horizonte, tão distante

No campo, ao longe, uma figura de quem uma vez eu era

Uma história que começava com a jura de uma morte lenta

No nascimento, criança pequena e já detenta

Presa numa cela castigante

Da mente, do corpo e de uma psiquê atenta

Tão livre é o mundo das ideias

Tão soltos são os galos numa tapera

Mas, se um dia há de voar um gavião de voo rastejante

Nada poderás fazer, mulher tão bela

Juraste minha morte sob um pé de figo ingrato

Me condenaste a pensar, preso e findado num eterno diálogo

Caindo dos céus uma chuva gotejante

Cercado pela ânsia de viver que se figurava em um mato

Sem esperanças de que um dia se findaria meu envenenamento

Morte lenta, iniciada no nascimento

Uma ordem vinda de uma criadora tão blefante

Assim me perdi, em eras de sofrimento

E se agora olho, mais uma vez pela janela

Enfim vejo a saída da minha cela

Acima, nos céus sobre o verde gritante

Das gramíneas, com marcas e pegadas de uma fera

E se agora percebo, de uma vez toda a verdade

Cai-se o pano, em queda livre logo após minha mocidade

O impacto chega em meu coração num instante

E percebo o que realmente perdi, em blefes que soam como bobagem

Que o que faltava em minha sofrida viva

Foi o que fora tirado do meu peito, ainda em vida

No meu nascimento excruciante

Nada menos que a razão de estar nessa estrada a ser seguida

Vejo, mãe ingrata, que o solo que pisas vale menos que a minha alma,

Que ela ainda vale, mais que os céus e toda a calma

De um Deus vivo e seu halo viajante

Do que o tempo, e tudo que o livro santa fala

Por quantos anos me troquei por uma cama

Por quanto tempo ouvi só daquele que não me ama

Esperei a resposta do meu suplicar gritante

Uma eterna vida em flamejante chama

Pois, agora que sei todo a verdade

Buscarei, numa jornada sem maldade

Todo o gozo faltante

Por uma trilha nesta cidade

E, se o medo ainda há de me impedir

Espero, antes que meu coração venha a ruir

Que eu o grite, numa bronca a vazar de minha fonte

Fazendo com que seu reinado venha a falir

Mas, saber que lutei a todo o instante,

Pelo menos, num momento aconchegante

Traz a paz em mim faltante

Deixa doce o paladar da pimenta

Deixei a vida me levar, e, olhe só!

Me perdi pelas ruelas

De uma longa e interminável cela

De um transtorno deprimente

E, dando meu último grito de liberdade

Ecoará na mente de toda a sociedade

O meu discurso de que: Irei SER!

Pelo bem da eternidade

Repousarás ainda meu corpo numa tumba fria

Mas aqui já esteve tão frio...

Qual a poesia em estar sob jura de morte?