abandono
Esvaziado, o lago revela-se,
como o coração sob o sol incandescente,
uma insolência inadvertida –
uma vontade que transcende o proprietário,
a escuridão além da caverna,
o tremor que não conhece o frio,
o ladrão despojado de seu tesouro,
o piano mudo, esperando as mãos de um artista.
Sua face, um borrão ou uma lâmina desgastada,
a memória agora sem a nitidez de teu semblante pálido.
E seus olhos, não mais do que uma lagoa obscura e enigmática
onde me acostumei a mergulhar, deixando meu corpo
ao abandono no telhado, consumido pela expectativa.
A fala imprópria à mesa de jantar,
onde um beijo terno era mais aguardado,
e tua tristeza estampada na parede, no fundo de meu estômago,
e desde então, teus sonhos não mais se entrelaçam aos meus,
nem partilhamos a mesma manhã à mesa com toalha branca.
Então, vem aquela noite, no teu ombro descubro meu ser,
e meus olhos se tornam as janelas por onde a vida irrompe,
tornando-me uno com o interior das coisas que se fundem.
Sabia, então, que amaria, e minha vida se transformaria
numa chaga aberta, derramando dor pelos contornos de uma pele ferida.