na mesma curvatura
No limiar, os olhares das coisas, analfabetos
do horizonte - esse parto árduo
que arranca da folha mais tímida
uma celebração muda. Uma festa
que corrompe o esqueleto de uma montanha,
cujos séculos lhe sussurraram confidências
de erosão.
E nós, lançados num descampado escavado pelo fogo,
banhados na solidão, acolhemos as mesmas cantigas.
Aquelas que nos confessam: toda infância
se cimenta numa solidez feroz, é ali que se gravam,
com ácido, as letras, entrelaçando o cipó
que relegou as turmalinas à chama lenta,
à gestação do cristal.
Nossas marés, íntimas, recitam nossos nomes -
e inertes, testemunhamos o lago esvair-se,
até que seu leito rachado revela a face mais selvagem.
Impotentes, resta-nos apenas observar,
não nos abandonarmos ao pavor de cair,
ignorantes de que esses sulcos são feitos de veias,
de artérias, ascendendo ao fogo
que se alastra pelas paredes da caverna
onde o útero que nos asfixia foi insculpido.
Questiona-se, então, como amar
quando o carvão escasseia, o óleo, o querosene,
quando a floresta de bambu se curva ao vento
que interroga suas raízes - como se a resposta
jazesse no próprio questionar,
na própria curvatura.