SÓ ISSO
Lílian Maial


Isso que eu sinto, de olhar as coisas,
de apenas sentir a brisa e não querer atribuir-lhe o que não é,
de ser grata que a brisa seja apenas brisa
e não a metáfora rota de um passarinho.
Isso que eu tenho, de perceber que a espuma do mar é só espuma
e não um portal de energia cósmica confluente
e, mesmo assim, gostar de deixar que me lamba os pés.
Isso que eu dou, quando sinto amor,
e que nunca deixo de ter no colo,
essa ternura de um sorriso de intimidade com o amor do outro.
Isso que eu supunha existir, uma verdade absoluta de dentro do espírito,
uma transparência de água límpida,
um brilho exultante de um ser humano que penetra o vazio
e o preenche.
Isso que eu vejo, de não me curvar no meu íntimo,
mesmo que todos os poros cantem uma canção diferente,
ainda que meu corpo todo aparente aceitar o cabresto,
enquanto eu e a outra eu confabulamos, às gargalhadas,
a maneira mais marota de transgredir
e a menos dolorosa de queimar na fogueira.
Isso que eu passo, de viver sob rígidas regras,
de me sacrificar pelo que é certo,
de abrir mão de qualquer coisa,
e que muito poucos percebem o quanto me divirto em ser assim.
Isso tudo é quase nada,
e se desfaz com a outra face que não dei
e, apesar disso, um pouco mais cansada e ferida,
ainda posso ter a brisa e sentir-lhe o sopro,
ainda corro atrás da espuma e rio com o mar,
ainda transbordo um amor intenso e puro,
e me inundo de uma alegria súbita a qualquer momento,
e brilho noite e dia,
feito vaga-lume atrapalhado,
que se pensa iluminado só à noite,
mas que não tem hora de apagar.

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