Não é crônica e não é poema (acho que é Prece)
Misericórdia meu Deus,
porque sou brasileira e sou baiana,
sou filha, mãe, avó e sou esposa.
Porque sou um monte de sentimentos,
e sou a vontade da calçada,
do picolé de coco, do juju,
da rua onde brinquei de Bandeirinha.
Misericórdia Meu Deus porque já cresci,
e não sei exatamente onde deixei
a vontade de de me despedir
dessa Fase de Ouro,
desse brinco de rubi.
Misericórdia meu Deus, querem
à todo custo, me afastarem de Ti.
Obrigada meu Deus, porque sonhei
com mainha em seu vestido verde
e sua sandália de plástico,
castanho transparente.
Porque sonhei com a risada de Nadja,
com a Tubaína compartilhada,
com a Ploc dividida ao meio.
Muito obrigada, meu Deus,
porque sonhei com a manteiga Coograp,
com o pão bengala e o saco de leite
nas mãos de painho, que conversava
na porta de casa com Benedito.
Misericórdia meu Deus, porque vi mainha
temperando o peixe da Semana Santa,
a gente tudo em Jejum: simples assim.
Era tipo uma ordem.
Porque será que sonhei isso tudo?
Será que a causa é o término da leitura
dO livro sobre Betinho?
Ou será que é porque ouvi
Elis regina o dia inteirinho...
Senti falta da amizade fácil,
da visita sem marcação,
do café no copo Cica,
Senti saudade do Guaraná brasileiro,
da farinha de Buerarema,
do umbu da Cinquentenário,
da roupa simples do Box 45
do Centro Comercial.
A Terapeuta disse que isso tudo é
sabotagem,
eu disse que isso era letra de música,
ou material de poema.
Ela disse que é fuga,
mas ela não sonha,
nem escreve.
Não gosta de Jung.
Coitadinha dela,
que acha que é simples assim:
ou isto, ou aquilo.
Ela disse que era crônica,
eu disse que quem decide é quem escreve.
Saudade da cajarana, da cortina de plástico
amarela, da música do Brasilgás.
Saudade de minha filha com 5 anos,
feliz, com minha filha com 55 anos.
Solineide Maria
Luanda, 16 de fevereiro de 2024
(para minha filha Flora Maria, meu neto Dante Ramos, meu esposo muito amigo Jorge Rafael, minha mãe Regina Maria)