NOTICIÁRIO POÉTICO

João levava uma vida pacata

Não tinha filhos. Era boticário e químico

Tinha poucos e raríssimos amigos

Gostava de passar as férias no sítio.

Não gostava de se envolver em assuntos de família.

Morreu de infarto, na noite de Páscoa.

A dona Teresa, adorava presentear as crianças.

Era uma senhora aposentada da indústria

Da janela de sua residência, assistia a molecada

Brincando de bola na rua. E oferecia lanche à criançada.

Todas as manhãs de verão regava seu canteiro de flores.

A dona Teresa, morreu assistindo a novela da tarde.

Na Rua Cantagalo, morava um senhor ranzinza.

Não suportava receber visitas de vizinhos

Odiava ouvir latidos de cachorros em frente de casa

Quando ouvia, lançava água quente nos animais.

Além de ser assim, negava qualquer tipo de ajuda ao semelhante.

Na manhã de domingo, foi assaltado e morto com um tiro na cabeça.

A adolescente Mônica, uma simples garota.

Estudada nas melhores escolas da cidade

Aprovada no curso de Medicina na faculdade pública

Ensinava inglês no cursinho preparatório

Em casa, ouvia Caetano e Renato Russo.

A caminho da faculdade, foi a óbito no acidente automobilístico.

Naquela casa morava um casal de idosos de setenta anos

Saudavam com bons-dias aos morados do bairro

Cinco da manhã estavam caminhando pela praça

Saiam juntos para fazerem a compra do dia

Participavam das ações sociais da comunidade

O casal foi a óbito, com deslizamento de terra na estrada.

No dia do aniversário da filha Júlia,

O pai dá um beijo na testa da filha que

Estava a dormir antes de o despertador soar.

Tomou café da manhã na companhia da esposa

Ajudou a esposa a lavar as louças. Deu-lhe o beijo de despedia.

O pai reagiu ao assalto, mas não aguentou aos ferimentos e morreu.

Dentro do ônibus, estava todo tipo de passageiros.

Alguns estavam lendo, outros ouvindo músicas,

Conversando, dormindo; olhando para o céu.

Havia chovido na tarde daquele dia. Pois dentro do veículo,

Transportavam gestantes, crianças de colo e senhoras.

A pista estava muito molhada, quando o motorista perdeu o controle,

Vindo a chocar-se com outro veículo no sentido contrário da via.

No carnaval, Moisés dançou, cantou, bebeu, beijou.

Separou alguns amigos da briga

Deixou a namorada na casa dos pais

Parou na baiuca para tomar uma birita. Enquanto isso

Estava dando em cima da mulher do policial.

Moisés xingou o policial, vindo a dar-lhe tiro certeiro no coração.

Havia um poeta que sentava no banco da praça

Alimentava os pombos ejetando sementes

Além das sementes, levava consigo livro e garrafa de água.

Lia algumas poesias de Szlengel; o público parava para ouvi-lo.

Dizia que amava a literatura russa e que estava aprendendo russo.

Só que esse sonho foi interrompido por um esquizofrênico chegando

A golpeá-lo com dez facadas, na frente do público-alvo.

Cadê aqueles que não constam no poema?

Pois seus silêncios ecoam pelas residências em que residiam.

Lugares que frequentavam vazios como folha branca.

O poema não te conhece e não te conhecerá

Conhecer-te-á ouvindo da boca daqueles que estão vivos.

O número de ausentes não chega a dar neste breve espaço.

Mas seus bens de consumo permanecem onde deixaram

Isto é, livros que não foram lidos, correspondências não abertas.

Roupas que chegaram a comprar, porém não foram tiradas da sacola.

Alguns retratos removidos das paredes das casas.

Porquanto a ausência está sendo um meteorito

Na vida daqueles que viveram anos com vós.

O poema fechou a porta e as janelas

Isolou-se por completo

Não estava mais se sentindo bem com tudo isso

Preferiu afastar-se das cargas negativas

Mudou até de logradouro, para não ser apoquentado.

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14 de fevereiro de 2024 às 17h26

André R Fernandes
Enviado por André R Fernandes em 14/02/2024
Reeditado em 14/02/2024
Código do texto: T7999056
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