O carnaval que passou batido
Pela primeira vez sem o meu pai, que gostava tanto da folia
O carnaval que eu nem vi passar pela TV
Com alergia da doutrinação delirante de todo dia
Sem colocar os pés nas ruas de noite para ver a alegria dos outros
Com medo da loucura humana de sempre
O carnaval ausente, que eu comparei com os dos anos anteriores
Quando eu dormia no apartamento da minha avó materna, na minha infância, década de 90
Vendo o burburinho de cima e seguro, junto dela, na rua central da cidade pequena
Ou quando eu ia na casa da minha avó paterna e passava a data com os meus primos
Nadando em sua piscina
E ouvindo músicas de marchinha colocadas pelo meu tio
Antes de morrer de covid, em 2020
Esse foi o primeiro carnaval que não vi
Nem de longe
Apenas ouvi, distante
A algazarra em outras esquinas
E o resto de confete e serpentina nas calçadas de manhã
Pois se eu nunca gostei, nesse ano não teve como suportar
Não foi uma rejeição forte
Mais como um desprezo profundo
Não os culpo
Há razão para extravasar e viver a vida em seu máximo
Para mim, eu a vivo de maneira bem diferente
Além das tristezas que se acumulam
Das decepções e do cansaço, de estar em constante descompasso
Mas eu não posso garantir que será igual no ano que vem
Que viverei pra sempre
Nem posso garantir que estarei aqui para testemunhar de novo
Só posso ter certeza do agora
Desse agora que desejo registrar
Se apenas para mim
Nesta quarta-feira de cinzas
E como eu gostaria de bater asas e pegar fogo
Mas eu não sou imortal e também não sei voar
Eu só posso desejar por caminhos melhores, ou pelo menos de ser mais resiliente
Porque quando se está solto no mar, sem vela
Sobram apenas braços, pernas
E a esperança de não afundar com as correntes